A opinião é da advogada norte-americana Priscilla Hayner, autora do livro Unspeakable Truths (Verdades Não Ditas), sobre comissões de verdade que funcionaram na África e na América do Sul.
Atualmente a advogada é diretora do escritório do Centro Internacional para Justiça de Transição, com sede na Suíça. Por telefone, de Genebra, ela falou à Agência Brasil.
P - O Brasil prepara um projeto de lei para criar uma comissão de verdade que apure crimes cometidos pela ditadura militar. Que expectativa a senhora tem quanto a esse processo?
Priscilla Hayner - O ideal é uma comissão da verdade que traga muito mais informações sobre o que aconteceu, acessando os arquivos oficiais, ajudando a encontrar os restos mortais de desaparecidos, falando com as vítimas sobreviventes e parentes das pessoas mortas.
A comissão também deve ser capaz de reunir informações de organizações não governamentais e de inquéritos administrativos no passado. Não há motivo para não se ter acesso a todos arquivos.
A comissão tem que ter poderes suficientes para acesso a qualquer informação. Ao mesmo tempo, a comissão deve ter o cuidado de respeitar os direitos de quem se envolveu com a repressão.
P - Há alguma experiência emblemática de comissão da verdade no mundo?
Hayner – Peru, Timor Leste e África do Sul tiveram experiências interessantes, mas não há modelo para copiar. Cada comissão de verdade é concebida de acordo com o contexto nacional. O Brasil terá seus próprios termos de referência.
Esse processo leva tempo para planejar, fazer consultas públicas e permitir que os sobreviventes e as famílias das vítimas possam ser ouvidas no processo.
Um erro que deve ser evitado é daquelas comissões nas décadas de 80 e 90 que limitaram a apuração às pessoas que foram mortas ou desapareceram, mas não examinaram os casos de tortura de quem sobreviveu. Não é boa idéia excluir grupos ou categorias de vítimas.
P - O que é mais importante fazer: punir culpados, reparar materialmente as vítimas e parentes ou reconciliar o País com o seu passado?
Hayner - É difícil priorizar um desses enfoques, pois estão interligados. Deve-se escolher um objetivo e reparar as vítimas e parentes. Mas não dizer a verdade e nem pedir desculpas também resulta em ressentimento.
As reparações não podem substituir o direito de saber o que aconteceu. Para quem perdeu um ente querido, a reparação material é pouco. Há certamente a necessidade de se julgar o que aconteceu. Quando há milhares de agressores pode não ser possível processar todos.
É importante que os principais responsáveis prestem contas.
P – Como a comunidade internacional de defensores de direitos humanos vê a transição da ditadura para a democracia no Brasil?
Hayner - Existe um reconhecimento de que não foi feito o suficiente. A situação brasileira é interessante porque não houve um completo silêncio ou uma rejeição completa de olhar para o passado. Mas há muita coisa faltando.
Houve esforços para levantar o que ocorreu e ainda há uma grande quantidade de informação escondida. Agora, o Brasil faz um esforço muito mais robusto para obter o que está oculto e desconhecido.
P - Especialistas vêem a violência policial como herança do regime militar. O trabalho da comissão da verdade pode repercutir nessa atual violência?
Hayner - Certamente, a intenção de uma comissão da verdade é reduzir a impunidade e qualquer forma de violência oficial em curso, como é o caso da polícia. Mas além do trabalho da comissão, há outros fatores como a vontade política para implementar as recomendações.
Uma parte central do mandato de uma comissão é a mudança e não permitir a continuação da violência. A simples prestação de contas é insuficiente, pois deve haver um esforço para evitar futuras violações.
P - O tema dos direitos humanos é sempre muito criticado no Brasil. Essa resistência é comum em outros países?
Hayner - Definitivamente não há mais contextos em que o público desconheça totalmente os direitos humanos. Os envolvidos nas violações não devem obter a imunidade. A responsabilidade é essencial. A construção de um profundo e robusto sistema democrático e Estado de Direito exige uma centralidade muito firme de respeito pelos direitos humanos.
P - No direito internacional, é comum que a anistia perdoe a violência de agentes do Estado?
Hayner - Em geral, a anistia não é considerada aceitável para certos crimes, como crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra, crimes internacionais.
P - Passados mais de 15 anos do fim do apartheid na Africa do Sul e de início do processo de reconciliação nacional, como a senhora vê o país de Nelson Mandela?
Hayner - Eles ainda estão trabalhando sobre essas questões. A comissão da verdade foi muito importante, mas no processo todos perceberam que não era suficiente. Questões de reconciliação e de justiça continuam a ser urgentes e apresentam questões para o futuro.
Pessoas como [o bispo anglicano e Nobel da Paz] Desmond Tutu compreenderam que a conciliação não é alcançável rapidamente, leva tempo. Houve uma proposta de anistia mais tarde, mas as vítimas se opuseram a uma ampla anistia. As reparações também foram complicadas, uma fonte de frustração.
As vítimas geralmente não receberam o que pensavam ser devido. Os desafios econômicos e desequilíbrios raciais continuam. A comissão da verdade foi importante, mas não resolve todo o problema.
Por Gilberto Costa; tradução de Claude Allen Bennett Junior e Paula Laboissière.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes
Bastidores da 'Marcha da Família' Paulistana
Por Flavio Deckes
Mais de um milhão de pessoas foram às ruas centrais de São Paulo no dia 19 de março de 1964, uma quinta-feira, para se manifestar contra o avanço do comunismo no Brasil.
Era a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um misto de passeata e procissão católica.
19 de março é dia de São José, padroeiro da família. A massa saiu naquela quinta-feira às quatro da tarde da praça da República e chegou duas horas depois à Catedral Metropolitana, na praça da Sé.
Faixas, cartazes e palavras de ordem alertavam para o perigo comunista:
"Vermelho bom, só o batom",
"Verde, amarelo, sem foice nem martelo". *
A inspiração vinha do movimento Rosário em Família do padre Peyton contra as "manobras vermelhas".
Setores conservadores indignados com as "reformas de base" anunciadas na sexta-feira 13 pelo presidente João Goulart no comício da Central, no Rio, conseguiram fazer uma manifestação ainda maior.
A organização reuniu entidades femininas e religiosos católicos.
O deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, o publicitário José Carlos Pereira de Sousa e a freira Ana de Lourdes, sobrinha de Rui Barbosa, bolaram o formato de marcha-procissão.
Treze dias após a passeata paulista veio o golpe militar de 1964. As marchas da família, que se repetiram em Santos, no Rio e em várias cidades passaram a se chamar "marchas da vitória". A marcha do Rio, em 2 de abril, reuniu 1 milhão de pessoas.
A mobilização serviu para a definição de Revolução explicada no Ato Institucional número 1.
Esse primeiro ato institucional "legalizou" a coisa toda e teve como redator principal Francisco Campos com ajuda de Pedro Aleixo. Diz o preâmbulo
É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro.
O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.
(...)
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.
(...)
Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular.
Ainda muito pouco estudadas, estas Marchas abalaram a coesão do dispositivo militar do governo constitucional, garantiram uma base social sólida para a instalação da ditadura. E deram ao golpe de estado o caráter de movimento civil e militar.
* Verso criado pelo poeta Guilherme de Almeida para o evento
Livro de Ouro
A organização do movimento “Marcha da Família” publicou um Livro de Ouro.
Os nomes dos participantes, na ordem em que são citados:
Leonor Mendes de Barros
Irmã Ana de Lurdes
José Carlos Pereira de Sousa
Cunha Bueno
André de Faria Pereira Filho
Sebastiana de Almeida Prado
Julio de Mesquita Filho
Assis Chateaubriand
Salvio de Almeida Prado
Rosita Pedutti Nogueira
General Agostinho Teixeira Côrtes
Edy Cunha Bueno
Herbert Levy
Laudo Natel
João do Amaral Neto
Conceição da Costa Neves
Maurício Loureiro Gama
Joaquim Procópio de Araújo
Eduardo de Souza Queiroz
Rafael de Sousa Noschese
José Lemos
José Carlos Wagner
Mildred Lemos
Hipólito Silva
Eduardo de Sousa Queiroz
General Ary Mota de Azevedo
José Lemos
Geraldo dos Santos
Murilo de Sousa Reis
Com. Penido Burnier
Roberto de Abreu Sodré
Com. Rui Teixeira Mendes
Gaspar Camargo
Magaly Whittle
Margareth Beeby
Nisa Figueiredo
Helena Aguiar
Anna Soares Pinto
Grace Ulhoa Cintra
Regina Silveira
Guiomar Ulhoa Cintra
Acyr Guisard
Dora Silvia Cunha Bueno
Ademir Ramos
André de Faria Pereira Filho
Francisco Villela
Odete Villela
Marcos Villela
Sergio Villela
Juvenal Sayon
Frei Celso de São Paulo
João Paladino
Eduardo da Silva Cardoso
José Teles dos Santos
Adolfo Pizzarro
João Rosa
Luís Pereira da Silva
Estela Andraus
Rabino Fritz Pinkuss
Guilherme de Almeida
Otávio Mamede Jr.
Gabriel Pinheiro da Cruz
Carlos Alberto Morais Guerra
Caio Cobra
Beatriz Whately Thompson
Oscar Thompson Filho
Ricardina C. Fonseca
Caio Pompeu de Toledo
Maria Cecília Raposo Ferreira
Luis Fernando Ferreira
Rubens Matta de Sousa Campos Filho
Renato Ribeiro
Alberto Malta de Sosa Campos
Pedro Luís Carvalho de Campos
Antonio Carlos Ferreira
Senador Padre Calazans
Cyro Albuquerque
Bernardes de Oliveira
Augusto Inácio Bravo
Mauro Garcia
Luiz Emanuel Bianchi
Carlos Engel
Auro Soares de Moura Andrade
Helase Ferraz de Camargo
Amália Ruth Schmit de Oliveira
Maria Pacheco Chaves
Waldemar Ferreira
Arnaldo Cerdeira
João Batista Leopoldo de Figueiredo
Armando Corrêa de Siqueira
Dulce Sales da Cunha Bueno
Maria Isaltina de Almeida Prado
Paulo Lacerda Quartim Barbosa
Theodoro Quartim Barbosa
Maria Mesquita da Motta e Sllva
Vera Prado
Elda Marques Ferreira da Silva
Diva Castro
Nize Sampaio
Sônia Gardenberg
Mons. Manuel Pestana
Maria Paula Caetano da Silva
Márcia Guimarães Malta
Rubens de Moura Leite
Guilherme de Almeida
Antonio Feliciano
José Nunes
Frei Henrique Maria de Pirassununga
Ilza Figueiredo
Regina Passos Silveira
Márcia Guimarães Malta
Marina de Nioac
Everardo de Magalhães
Amélia Bastos
O Livro de Ouro traz também
os nomes das entidades que
aderiram ao movimento.
O texto é o que segue:
Entidades democráticas de São Paulo que aderiram à
Marcha da Família com Deus pela Liberdade
Ação Brasileira de Cultura Democrática
Ala Paulista de Luta-Anti-Tuberculose
Aliança Democrática Brasileira
Aliança Eleitoral pela Família
Assistência Social “Dm Leonor Mendes de Barros”
Associação dos Advogados Democratas
Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos
Associação Casa do Pequeno Trabalhador
Associação Cívica Feminina
Associação Colmeia
Associação Colsan
Associação de Combate ao Câncer
Associação Comercial de São Paulo
Associaçao Cristã de Moços
Associação Cruz Azul
Associação Cruz Verde
Associação das Damas de Caridade de São Vicente de Paula, SP
Associação das Enfermeiras do Hospital das Clínicas
Associação dos Estudantes Democratas
Associação de Estudos Pedagógicos e Sociais
Associação das Famílias Rotarianas de São Paulo
Associação Paulista de Assistência aos Doentes de Lepra
Associação Paulista dos Ex-Dirigentes Universitários
Associação Paulista de Propaganda
Associação Santa Teresinha
Associação Santo Agostinho
Associação das Senhoras Evangélicas
Associação dos Sorotimistas
Associação dos Veteranos de 1932 – MMDC
Bandeira Paulista Contra a Tuberculose
Bolsa de Mercadorias de São Paulo
Campanha de Educação Cívica
Centro Acadêmico Pereira Barreto
Centro Cívico de Cultura Política da Lapa
Centro do Comércio de Varegistas de Gêneros Aimentícios de
São Paulo
Centro de Defesa Democrática
Centro Democrático das Domésticas do Jardim Pasulista
Centro Democrático dos Engenheiros
Centro Democrático dos Engenheiros Agrônomos de S. Paulo
Centro José Bonifácio
Círculo Operário Casa Verde
Círculo Operário CEDO – Lareira
Círclo Operário Central
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Itaim (Bibi)
Círculo Operário Dos Empregados Domésticos do Jardim Europa
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Jardim Paulistano
Círculo Operário de Ermelindo Matarazzo
Círculo Operário de guiaiauna
Círculo Operário do Ipiranga
Círculo Operário de Jaboticabal
Círculo Operário da Moóca
Círculo Operário Nossa Senhora dos Remédios
Círculo Operário de Osasco
Círculo Operário da Penha
Círculo Operário de Pinheiros
Círculo Operário de Santo Amaro
Círculo Operário de Tatuapé
Círculo Operário de Vila Ema
Círculo Operário de Vila Formosa
Círculo Operário de Vila Guilhermina
Círculo Operário Vila Hamburguesa
Círculo Operário de Vila Prudente
Círculo Operário Santana
Club dos Lojistas de São Paulo
Commonwealth Relações Públicas
Confederação das Famílias Cristãs
Convivios – Sociedade Brasileira de Cultura
Cruz Vermelha Brasileira – Seção de São Paulo
Federação das Associações de Pais e Mestres
Federação das Associações Rurais do Estado de S. Paulo
Federação dos Círculos Operários de São Paulo
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Fraterna Amizade Cristã Urbana e Rural – FACUR
Frente Anti-Comunista
Frente Estudantil do Estado de São Paulo
Grupo de Ação Católica
Grupo de Ação Patriótica
Instituto de Debates e Ação Social – IDÉAS
Instituto de Formação Social – Curso de Liderança Sindical
Instituti de Pesquisas e Estatística Social – IPÊS
Instituto Universal do Livro
LAREIRA – Instituto a Serviço da Família
Legião Brasileira Anti-Comunista – LBAC
Liga da Ação Democrática
Liga Cristã Contra o Comunismo
Liga das Enfermeiras de São Paulo
Liga das Enfermeiras Voluntárias
Liga da Independência Democrática
Liga Independente pela Liberdade
Liga Operário Católica Feminina
Liga Operária Feminina
Liga do Professorado Católico
Liga do Professorado Paulista
Liga das Senhoras Católicas de São Paulo
Liga das Senhoras Católicas
Movimento de Arregimentação dos Estudantes Democráticos – MAED
Movimento de Arregimentação Feminina – MAF
Movimento Cívico Evangélico
Movimento Estudantil Democrático – MED
Movimento Estudantil de São Paulo
Movimento Presbiteriano Jardim das Oliveiras
Movimento de Resistência Acadêmica
Movimento Sindical Democrático
Oficinas de Caridade Santa Rita
Partido de Representação Acadêmica
Rede Feminina da Associação Paulista de Combate ao Câncer
Rede Independente Democrática
Sociedade Rural Brasileira
Uniião Cívica Feminina
União Democrática e Assistencial – UNIDAS
União Independente Democrática
Fonte - Rodrigues Matias, Marcha da Família com Deus pela Liberdade, s/ed., S.Paulo, 1964
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com arquivos do blog Memória da Ditadura
O extermínio da mulher brasileira, em livro
“Direito à Memória e à Verdade” é o título do livro que conta a história de 45 mulheres assassinadas e desaparecidas e 27 sobreviventes da ditadura militar no Brasil (1964-1985), lançado dia 25 na PUC em São Paulo.
A data do lançamento antecede em seis dias o aniversário de 46 anos do golpe de 31 de março de 1964.
Relatos de 27 sobreviventes de diferentes organizações de resistência à ditadura, armadas ou não fazem parte da história. Algumas estavam grávidas, outras amamentavam, todas foram torturadas e, não raro, estupradas.
Na apresentação, o ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, que é o principal responsável pelo 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, prevê:
- Este livro pode mudar opiniões de quem ainda resiste à elucidação profunda de todos esses episódios como passo necessário a uma reconciliação nacional.
Em seguida, a ministra de Política para Mulheres, Nilcéa Freire, defendeu ampla apuração da verdade: “A superação dos fantasmas que ainda assombram nossa história recente exige confrontá-los. Para exorcizá-los, será preciso retirá-los dos lugares onde estão escondidos, nomeá-los, olhá-los nos olhos e compreender os mecanismos que os permitem surgir”.
As mortas e desaparecidas são divididas em três grupos: de 1964 a 1974, incluindo o período agudo da repressão; de 1974 a 1985, já no processo classificado de “distensão”; e a Guerrilha do Araguaia, no final da década de 1960 e início da de 1970, na região do rio Araguaia.
Entre os depoimentos, não consta o de Dilma que também foi militante da esquerda armada, presa e torturada e hoje é pré-candidata à Presidência pelo PT. A explicação é que os autores quiseram dar um caráter supra-partidário ao trabalho, sobretudo em ano eleitoral.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
A data do lançamento antecede em seis dias o aniversário de 46 anos do golpe de 31 de março de 1964.
Relatos de 27 sobreviventes de diferentes organizações de resistência à ditadura, armadas ou não fazem parte da história. Algumas estavam grávidas, outras amamentavam, todas foram torturadas e, não raro, estupradas.
Na apresentação, o ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, que é o principal responsável pelo 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, prevê:
- Este livro pode mudar opiniões de quem ainda resiste à elucidação profunda de todos esses episódios como passo necessário a uma reconciliação nacional.
Em seguida, a ministra de Política para Mulheres, Nilcéa Freire, defendeu ampla apuração da verdade: “A superação dos fantasmas que ainda assombram nossa história recente exige confrontá-los. Para exorcizá-los, será preciso retirá-los dos lugares onde estão escondidos, nomeá-los, olhá-los nos olhos e compreender os mecanismos que os permitem surgir”.
As mortas e desaparecidas são divididas em três grupos: de 1964 a 1974, incluindo o período agudo da repressão; de 1974 a 1985, já no processo classificado de “distensão”; e a Guerrilha do Araguaia, no final da década de 1960 e início da de 1970, na região do rio Araguaia.
Entre os depoimentos, não consta o de Dilma que também foi militante da esquerda armada, presa e torturada e hoje é pré-candidata à Presidência pelo PT. A explicação é que os autores quiseram dar um caráter supra-partidário ao trabalho, sobretudo em ano eleitoral.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
Um Texto Exemplar
Um exemplo singelo de como é urgente apresentar ao brasileiro a verdade do período 64-85 está na própria internet hoje.
Pessoas sem escrúpulos despejam quilos de asneiras sobre a supressão da Democracia e a instalação do regime militar.
Como não se tem a verdade dos fatos qualquer asneira serve. E é essa a versão oficial do momento presente, que cabe à Comissão de Verdade e Reconciliação esclarecer para a memória dos tempos.
Divirta-se com as mal traçadas linhas do blog da União Nacional Republicana do sr. Orion Alencastro, colhida em 24 de março de 2010.
Este espaço é primeiramente dedicado a DEUS, a PÁTRIA, a FAMÍLIA e a LIBERDADE. Vamos contar VERDADES, FATOS e impedir que a esquerda, pela repetição exaustiva de uma mentira, transforme mentiras em VERDADES.
Procuraremos, por todos os meios possíveis e legais, contribuir para: - o progresso do Brasil e dos brasileiros; - a derrota das esquerdas; - a valorização das Forças Armadas com a compra de equipamentos, aumento de efetivos e prestigiando a carreira militar. BRASIL, Acima de tudo!
Em um sinistro prédio de Moscou, o empoeirado depósito dos arquivos da ex-KGB guarda a pasta da informação levada ao conhecimento do primeiro-ministro e secretário do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Nikita Sergeyvitch Khruchtchev: nas primeiras horas do dia 2O de março de l964, vindo do Brasil, era dado a conhecer o pedido da derrubada do governo do Brasil, por milhares de brasileiros.
Plano de Ação – Nikita-Castro combinado e financiado pela URSS converte-se em trampolim exportador da revolução comunista cubana para toda a América Latina, com apoio de partidos comunistas de todos os países. Projetava-se a URSAL, hoje objeto da ação em leque dos sustentadores do Foro de São Paulo e de presidentes caudilhescos.
Aquela informação fôra transmitida através dos telex criptográficos do escritório comercial da Rússia, em São Paulo, e do Consulado da República Democrática Alemã (RDA), pelos agentes secretos russos que, na tarde do dia 19 de março, assistiram impressionados a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na capital de São Paulo.
A notícia do evento histórico que se espalhou pelo mundo afora dava conta de uma manifestação organizada e pacífica, com a participação de 600 mil pessoas, a maioria mulheres paulistas, além de trabalhadores, religiosos, estudantes, intelectuais, jornalistas, veteranos de guerra, empresários, funcionários públicos e entidades cívicas, maçônicas e de serviços.
Vindas do interior e da zona metropolitana, se concentraram em praças centrais, se uniram e ,em coro, marcharam até a praça da Sé, diante da Catedral de São Paulo.
Nas escadarias do templo católico, líderes organizadores da marcha e populares protestaram contra o governo esquerdista da República, denunciando a corrupção, a desordem social dos movimentos grevistas, o desrespeito à propriedade privada e as idéias políticas de ameaça às liberdades e à destruição da democracia no Brasil.(com pequenas e pontuais modificações aquela época apresentava a mesma situação dos dias atuais)
Papa Paulo IV despertou com a boa nova
A Secretaria de Estado do Vaticano, devidamente informada pela nunciatura apostólica em Brasilia, comunicou o fato ao Papa Paulo IV, já bastante preocupado com a penetração ideológica comunista e os rumos incertos da América Latina.
A rádio Voz da América em Washington emitiu vários comentários sobre a inusitada multidão em defesa da democracia. As rádios de Havana, Pequim e Moscou, como era de se esperar, minimizaram o inédito acontecimento, confundindo os ouvintes de ondas curtas e o seu público, ao tratar o fato como uma manifestação popular que pedia reformas políticas no Brasil.
A avaliação dos Serviços Secretos
Serviços de inteligência dos EUA e da Europa estimaram que a manifestação do povo em São Paulo era um sinal de que as pretensões de conduzir o Brasil para a órbita da URSS, seguindo Cuba, seria muito dificil.
O clima de resistência ao governo João Goulart, em evolução nos principais centros metropolitanos - Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo - era o prenúncio de que as forças armadas deveriam surpreender e se posicionar em favor do sentimento nacional de repúdio ao governo, pois a imprensa alertava a sociedade e alardeava os riscos políticos contra a democracia.
Mulheres em Marcha
As imprensas brasileira e internacional da época registraram em suas páginas os inquietantes fatos conjunturais da política, dando destaque à impressionante manifestação da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, idealizada por uma simples religiosa, irmã Ana de Lurdes, neta do paladino de todas as liberdades, Ruy Barbosa, e que contagiou as mulheres de São Paulo e do país.
Diante do quadro político e ameaçador das instituições democráticas brasileiras, irmã Ana Lurdes, na sua inspiração relilgiosa e iluminada por Deus, concebeu a sábia celebração de uma marcha, segundo ela "um ato de fé num momento de trevas".
Assim nasceu a denominada Marcha da Família com Deus pela Liberdade. "A marcha foi uma reação à baderna que estava tomando conta do país. Não podiamos deixar as coisas continuarem do jeito que estavam, sob o risco de os comunistas tomarem o poder", conforme declaração de Maria Paula Caetano da Silva, fundadora da União Cívica Feminina.
A mulher brasileira derrotou o Kremlin e o PCB
Quando o Kremlin recebeu a informação, o secretário do PCB soviético pôde avaliar com seus colaboradores a dificuldade em conquistar o Brasil, principalmente pela força de mobilização de suas mulheres, da cultura católica e religiosidade do povo brasileiro e das forças armadas eminentemente cristãs.
No dia 10 de janeiro daquele ano, Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi a Moscou atualizar Nikita sobre o desenvolvimento dos planos que conduziriam o seu país para a órbita soviética.
Nikita foi informado de que "os comunistas brasileiros estavam conduzindo os setores estratégicos do governo federal e se preparavam para a tomada do poder". A bem da verdade, Prestes subestimou as possibilidades de reação da sociedade brasileira e avaliou mal o mosaico de poder estruturado com o PCB dentro do Governo João Goulart, inclusive com os generais do povo e a estratégia aliada de Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul, cunhado do presidente, tudo com apoio financeiro de Fidel Castro para a sovietização do Brasil.
Projetava-se a República Sindical Socialista do Brasil, fato bastante conotativo com o que se passa no país hoje, sob os ensaios tirânicos do seu presidente, Luiz Inácio da Silva. Em 31 de março de l964, iniciou-se a sucessão de fatos que livraria o país o comunismo e que contribuiu para ruir as pretensões soviéticas na América Latina .
A poderosa URSS se fragmentou na comprovação do tempo de que o comunismo escravagista foi um imperdoável engano contra a liberdade do homem sobre o planeta Terra.
Em decorrência da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e para desmistificar a zombaria da esquerda e a sua ação subterrânea inconformada com a vitória da contra-revolução que garantiu a vitória da democracia no Brasil, é saudável avivar o coração e a alma dos brasileiros para se conscientizarem das ameaças da hora presente, com o sempre atual decálogo dos anos sessenta.
http://brasilacimadetudo.lpchat.com
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes
Pessoas sem escrúpulos despejam quilos de asneiras sobre a supressão da Democracia e a instalação do regime militar.
Como não se tem a verdade dos fatos qualquer asneira serve. E é essa a versão oficial do momento presente, que cabe à Comissão de Verdade e Reconciliação esclarecer para a memória dos tempos.
Divirta-se com as mal traçadas linhas do blog da União Nacional Republicana do sr. Orion Alencastro, colhida em 24 de março de 2010.
Este espaço é primeiramente dedicado a DEUS, a PÁTRIA, a FAMÍLIA e a LIBERDADE. Vamos contar VERDADES, FATOS e impedir que a esquerda, pela repetição exaustiva de uma mentira, transforme mentiras em VERDADES.
Procuraremos, por todos os meios possíveis e legais, contribuir para: - o progresso do Brasil e dos brasileiros; - a derrota das esquerdas; - a valorização das Forças Armadas com a compra de equipamentos, aumento de efetivos e prestigiando a carreira militar. BRASIL, Acima de tudo!
Em um sinistro prédio de Moscou, o empoeirado depósito dos arquivos da ex-KGB guarda a pasta da informação levada ao conhecimento do primeiro-ministro e secretário do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Nikita Sergeyvitch Khruchtchev: nas primeiras horas do dia 2O de março de l964, vindo do Brasil, era dado a conhecer o pedido da derrubada do governo do Brasil, por milhares de brasileiros.
Plano de Ação – Nikita-Castro combinado e financiado pela URSS converte-se em trampolim exportador da revolução comunista cubana para toda a América Latina, com apoio de partidos comunistas de todos os países. Projetava-se a URSAL, hoje objeto da ação em leque dos sustentadores do Foro de São Paulo e de presidentes caudilhescos.
Aquela informação fôra transmitida através dos telex criptográficos do escritório comercial da Rússia, em São Paulo, e do Consulado da República Democrática Alemã (RDA), pelos agentes secretos russos que, na tarde do dia 19 de março, assistiram impressionados a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na capital de São Paulo.
A notícia do evento histórico que se espalhou pelo mundo afora dava conta de uma manifestação organizada e pacífica, com a participação de 600 mil pessoas, a maioria mulheres paulistas, além de trabalhadores, religiosos, estudantes, intelectuais, jornalistas, veteranos de guerra, empresários, funcionários públicos e entidades cívicas, maçônicas e de serviços.
Vindas do interior e da zona metropolitana, se concentraram em praças centrais, se uniram e ,em coro, marcharam até a praça da Sé, diante da Catedral de São Paulo.
Nas escadarias do templo católico, líderes organizadores da marcha e populares protestaram contra o governo esquerdista da República, denunciando a corrupção, a desordem social dos movimentos grevistas, o desrespeito à propriedade privada e as idéias políticas de ameaça às liberdades e à destruição da democracia no Brasil.(com pequenas e pontuais modificações aquela época apresentava a mesma situação dos dias atuais)
Papa Paulo IV despertou com a boa nova
A Secretaria de Estado do Vaticano, devidamente informada pela nunciatura apostólica em Brasilia, comunicou o fato ao Papa Paulo IV, já bastante preocupado com a penetração ideológica comunista e os rumos incertos da América Latina.
A rádio Voz da América em Washington emitiu vários comentários sobre a inusitada multidão em defesa da democracia. As rádios de Havana, Pequim e Moscou, como era de se esperar, minimizaram o inédito acontecimento, confundindo os ouvintes de ondas curtas e o seu público, ao tratar o fato como uma manifestação popular que pedia reformas políticas no Brasil.
A avaliação dos Serviços Secretos
Serviços de inteligência dos EUA e da Europa estimaram que a manifestação do povo em São Paulo era um sinal de que as pretensões de conduzir o Brasil para a órbita da URSS, seguindo Cuba, seria muito dificil.
O clima de resistência ao governo João Goulart, em evolução nos principais centros metropolitanos - Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo - era o prenúncio de que as forças armadas deveriam surpreender e se posicionar em favor do sentimento nacional de repúdio ao governo, pois a imprensa alertava a sociedade e alardeava os riscos políticos contra a democracia.
Mulheres em Marcha
As imprensas brasileira e internacional da época registraram em suas páginas os inquietantes fatos conjunturais da política, dando destaque à impressionante manifestação da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, idealizada por uma simples religiosa, irmã Ana de Lurdes, neta do paladino de todas as liberdades, Ruy Barbosa, e que contagiou as mulheres de São Paulo e do país.
Diante do quadro político e ameaçador das instituições democráticas brasileiras, irmã Ana Lurdes, na sua inspiração relilgiosa e iluminada por Deus, concebeu a sábia celebração de uma marcha, segundo ela "um ato de fé num momento de trevas".
Assim nasceu a denominada Marcha da Família com Deus pela Liberdade. "A marcha foi uma reação à baderna que estava tomando conta do país. Não podiamos deixar as coisas continuarem do jeito que estavam, sob o risco de os comunistas tomarem o poder", conforme declaração de Maria Paula Caetano da Silva, fundadora da União Cívica Feminina.
A mulher brasileira derrotou o Kremlin e o PCB
Quando o Kremlin recebeu a informação, o secretário do PCB soviético pôde avaliar com seus colaboradores a dificuldade em conquistar o Brasil, principalmente pela força de mobilização de suas mulheres, da cultura católica e religiosidade do povo brasileiro e das forças armadas eminentemente cristãs.
No dia 10 de janeiro daquele ano, Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi a Moscou atualizar Nikita sobre o desenvolvimento dos planos que conduziriam o seu país para a órbita soviética.
Nikita foi informado de que "os comunistas brasileiros estavam conduzindo os setores estratégicos do governo federal e se preparavam para a tomada do poder". A bem da verdade, Prestes subestimou as possibilidades de reação da sociedade brasileira e avaliou mal o mosaico de poder estruturado com o PCB dentro do Governo João Goulart, inclusive com os generais do povo e a estratégia aliada de Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul, cunhado do presidente, tudo com apoio financeiro de Fidel Castro para a sovietização do Brasil.
Projetava-se a República Sindical Socialista do Brasil, fato bastante conotativo com o que se passa no país hoje, sob os ensaios tirânicos do seu presidente, Luiz Inácio da Silva. Em 31 de março de l964, iniciou-se a sucessão de fatos que livraria o país o comunismo e que contribuiu para ruir as pretensões soviéticas na América Latina .
A poderosa URSS se fragmentou na comprovação do tempo de que o comunismo escravagista foi um imperdoável engano contra a liberdade do homem sobre o planeta Terra.
Em decorrência da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e para desmistificar a zombaria da esquerda e a sua ação subterrânea inconformada com a vitória da contra-revolução que garantiu a vitória da democracia no Brasil, é saudável avivar o coração e a alma dos brasileiros para se conscientizarem das ameaças da hora presente, com o sempre atual decálogo dos anos sessenta.
http://brasilacimadetudo.lpchat.com
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes
Uruguai condena Bordabery a mais 30 anos
Justiça do Uruguai condenou a mais 30 anos de prisão a Juan María Bordabery, de 81 anos, pelo golpe de Estado que liderou em 1973 e por crimes envolvendo o desaparecimento e morte de pessoas.
Ele cumpre prisão domiciliar por outra pena de 30 anos pela morte de 14 uruguaios desaparecidos até hoje.
Bordabery governou o Uruguai como presidente constitucional de 72 a 73, e como ditador até 1976. Liderou o golpe de Estado que em 27 de junho de 73 suspendeu o regime constitucional e instalou a ditadura que durou até 1985.
Em 76 os militares o destituiram e colocaram em seu lugar o presidente do Conselho de Estado, Alberto Demicheli.
A advogada Hebe Martínez Burlé, que apresentou a denúncia, afirmou que a nova condenação não acrescenta anos à pena mas tem caráter simbólico para o Uruguai.
- Não muda em nada o tempo de reclusão e não é nosso interesse. O tema é que é emblemático para nós, simbólico. Quando se viola a Constituição, quando se dá um golpe de Estado, com o tempo se vai pagar. É um dos poucos casos de condenação de ditadores no mundo, é significativo - completou.
A juíza Mariana Motta condenou Bordaberry pelo crime de atentar contra a Constituição e por ter sido co-autor das violações aos direitos humanos ocorridas durante sua gestão de ditador.
Nas eleições presidenciais deste ano seu filho, Pedro Bordabery, concorreu pelo Partido Colorado e ficou em terceiro lugar com 16% dos votos. No segundo turno, apoiou Luis Alberto Lacalle, do Partido Blanco, que perdeu a disputa para José Mujica, da Frente Ampla.
Pesquisa Copy e edição - Flavio Deckes, com Opera Mundi
Ele cumpre prisão domiciliar por outra pena de 30 anos pela morte de 14 uruguaios desaparecidos até hoje.
Bordabery governou o Uruguai como presidente constitucional de 72 a 73, e como ditador até 1976. Liderou o golpe de Estado que em 27 de junho de 73 suspendeu o regime constitucional e instalou a ditadura que durou até 1985.
Em 76 os militares o destituiram e colocaram em seu lugar o presidente do Conselho de Estado, Alberto Demicheli.
A advogada Hebe Martínez Burlé, que apresentou a denúncia, afirmou que a nova condenação não acrescenta anos à pena mas tem caráter simbólico para o Uruguai.
- Não muda em nada o tempo de reclusão e não é nosso interesse. O tema é que é emblemático para nós, simbólico. Quando se viola a Constituição, quando se dá um golpe de Estado, com o tempo se vai pagar. É um dos poucos casos de condenação de ditadores no mundo, é significativo - completou.
A juíza Mariana Motta condenou Bordaberry pelo crime de atentar contra a Constituição e por ter sido co-autor das violações aos direitos humanos ocorridas durante sua gestão de ditador.
Nas eleições presidenciais deste ano seu filho, Pedro Bordabery, concorreu pelo Partido Colorado e ficou em terceiro lugar com 16% dos votos. No segundo turno, apoiou Luis Alberto Lacalle, do Partido Blanco, que perdeu a disputa para José Mujica, da Frente Ampla.
Pesquisa Copy e edição - Flavio Deckes, com Opera Mundi
Desfile Militar
Por Flavio Deckes
Foram mais de duas décadas de desfile militar e os generais da banda somaram cinco – um cearense, três gaúchos e um carioca.
Cinco ditadores e estão todos mortos.
Nenhum despertava aquela simpatia, aquele carinho do povo nas ruas, como apelidos jocosos ou piadinhas. Todos sabiam que isso dava cadeia, quem era contra até desaparecia - dizia-se nas ruas.
Mas à boca pequena se comentava que o cearense era apaixonado por uma escritora comunista, um gaúcho era viciado em corrida de cavalo e carteado (a mulher dele se vestia com o Dener), outro gostava de futebol e violência, o terceiro era protestante, e só deixava a mulher cortar suas unhas. Finalmente o carioca preferia o cheiro de cavalo ao do povo, não cansando de pedir para esquecê-lo...
Cinco personalidades selecionadas a dedo pelo "Conselho de Segurança Nacional" para governar o Brasil. A escolha de cada um era uma comédia. A imprensa cobria todo o processo - era o notíciário na falta de eleições populares.
Os articulistas políticos dos grandes jornais competiam para ver quem estava melhor informado nos bastidores do poder. Castelinho no JB e Carlos Chagas no Estadão não deixavam de dar palpites sobre "os mais cotados".
Era eletrizante. As biografias de todos os candidatos era transcrita do Almanaque do Exército.
Esse era o noticário político. Passados quase 50 anos da instalação do regime fica a pergunta: por que a coisa durou tanto; por que o povo não sabe do legado deixado - um país à beira da falência, com mais problemas do que quando foi tomado pelos generais da banda? Por que essa aversão pelo voto popular da democracia?
Uma vez só, em 60 anos (1930/90), o voto popular escolheu um presidente civil que passou o cargo a outro (Juscelino/Janio) ...
Só há um jeito de mudar essa situação - a participação ativa do povo no seu próprio processo histórico. E também conhecimento do passado para tirar lições dele.
Foram mais de duas décadas de desfile militar e os generais da banda somaram cinco – um cearense, três gaúchos e um carioca.
Cinco ditadores e estão todos mortos.
Nenhum despertava aquela simpatia, aquele carinho do povo nas ruas, como apelidos jocosos ou piadinhas. Todos sabiam que isso dava cadeia, quem era contra até desaparecia - dizia-se nas ruas.
Mas à boca pequena se comentava que o cearense era apaixonado por uma escritora comunista, um gaúcho era viciado em corrida de cavalo e carteado (a mulher dele se vestia com o Dener), outro gostava de futebol e violência, o terceiro era protestante, e só deixava a mulher cortar suas unhas. Finalmente o carioca preferia o cheiro de cavalo ao do povo, não cansando de pedir para esquecê-lo...
Cinco personalidades selecionadas a dedo pelo "Conselho de Segurança Nacional" para governar o Brasil. A escolha de cada um era uma comédia. A imprensa cobria todo o processo - era o notíciário na falta de eleições populares.
Os articulistas políticos dos grandes jornais competiam para ver quem estava melhor informado nos bastidores do poder. Castelinho no JB e Carlos Chagas no Estadão não deixavam de dar palpites sobre "os mais cotados".
Era eletrizante. As biografias de todos os candidatos era transcrita do Almanaque do Exército.
Esse era o noticário político. Passados quase 50 anos da instalação do regime fica a pergunta: por que a coisa durou tanto; por que o povo não sabe do legado deixado - um país à beira da falência, com mais problemas do que quando foi tomado pelos generais da banda? Por que essa aversão pelo voto popular da democracia?
Uma vez só, em 60 anos (1930/90), o voto popular escolheu um presidente civil que passou o cargo a outro (Juscelino/Janio) ...
Só há um jeito de mudar essa situação - a participação ativa do povo no seu próprio processo histórico. E também conhecimento do passado para tirar lições dele.
Documentos Comissão de Verdade - Tortura
Tortura no Brasil:
Herança Cultural dos
Períodos Autoritários *
Por Cecília Maria Bouças Coimbra **
I Introdução
Este trabalho pretende levantar, mesmo que sucintamente, como as práticas de tortura estão presentes em nosso cotidiano e que implicações têm com os períodos autoritários pelos quais nosso país passou, em especial, o último: a ditadura militar de 64 a 85.
Pensa-se apontar como, nos anos 90, estas práticas passam a ser percebidas por grandes segmentos de nossa população como questões que não lhes dizem respeito e, até certo ponto, como aspectos necessários para conter a violência dos “perigosos”. Desde que aplicadas aos “diferentes”, “marginais” de todos os tipos, tais práticas são em realidade aceitas, embora, não defendidas publicamente.
É comum ouvirmos a seguinte pergunta quando se fala de tortura: “mas, o que ele fez?” Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum erro, deslize ou crime cometido pela vítima.
Somente em alguns casos – quando se trata de “pessoas inocentes” – há clamores públicos, o que mostra que para “certos” elementos essa medida até pode ser aceita.
Assim, apesar da sua não defesa pública, a omissão e mesmo a conivência por parte da sociedade fazem com que tais dispositivos se fortaleçam em nosso cotidiano.
A prática da tortura será aqui tratada como fazendo parte de uma política que, em um passado recente, foi oficial do Estado brasileiro e que hoje, apesar de oficiosa, continua sendo praticada por agentes desse mesmo Estado.
Não se trata, portanto, apenas de omissão, conivência e/ou tolerância por parte das autoridades para com tais questões, mas de uma política silenciosa, não falada, que aceita e mesmo estimula esses perversos procedimentos.
II Uma pequena história da tortura
A prática da tortura que percorre a história do Brasil foi durante séculos utilizada, em quase todo o mundo, como um exercício de vingança, sobre os corpos daqueles que se insurgiram contra o poder e a força do Rei; daí, os suplícios serem públicos.
Segundo o artigo 1o da Convenção da ONU “Sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”, de 10/12/84, a tortura é conceituada como:
“Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência” 1.
Segundo Verri (1992), o uso sistemático da tortura ocorreu após o século XI, na Europa, atingindo seu apogeu entre os séculos XIII e XVII, com a Inquisição 2.
Para Foucault (1988), naquele período, apesar dos suplícios serem públicos, todo o processo criminal – até a sentença – permanecia secreto não só para a população, mas para o próprio acusado.
A importância dada à confissão era enorme – considerada como a rainha das provas -, pois “o criminoso que confessa desempenha o papel de verdade viva” 3. Assim, os suplícios levam à redenção do sujeito se à luz do dia e à frente de todos chegar à verdade do crime que cometeu, pois “o verdadeiro suplício tem por função fazer brilhar a verdade” 4.
Portanto, as torturas eram impostas prolongando a dor física na medida da gravidade do ato cometido. Quanto mais grave o crime – pois além de sua vítima imediata, atacava o soberano, sua lei, seu poder, sua vontade – maior a extensão dos suplícios.
(...) esses resultados não eram atribuídos à Inquisição, mas ao réu porque não havia dito voluntariamente toda a verdade 5.
Além disso, multidões acompanhavam as “cerimônias” realizadas em torno dos suplícios aplicados aos considerados hereges; aqueles que as assistiam eram premiados com indulgências pela Igreja Católica.
Em nossa história colonial são conhecidas as torturas infligidas aos escravos, índios – que não eram considerados humanos – e aos “perigosos” de todos os tipos, como aqueles perseguidos pela Inquisição, e os que praticaram crimes de “lesa majestade”.
Segundo Foucault (1988) é com o advento do capitalismo industrial, no final do século XVIII e início do XIX, que as “grandes fogueiras” e a “melancólica festa” das punições vão se extinguindo 6.
Os suplícios saem do campo da percepção quase cotidiana e entram no da “consciência abstrata”: é a era da “sobriedade punitiva”, quando não é mais para o corpo que se dirige a punição, mas para a alma, devendo atuar “profundamente sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições”.
Assim, a premissa básica dos tempos modernos é: “que o castigo fira mais a alma que o corpo” 7.
Ou seja, não mais os atos praticados, mas aqueles que poderão vir a ser efetuados, dependendo da “alma” do sujeito: se ex-escravo, negro, mulato, migrante, pobre.
Inaugura-se a era da periculosidade, onde determinados segmentos por sua “alma”, sua essência, sua natureza deverão ser constantemente vigiados, disciplinados, normatizados. Entramos, segundo Foucault, nas sociedades disciplinares onde as instituições exercerão tal vigilância, produzindo corpos dóceis, adestrando não só o físico, mas fundamentalmente os espíritos 8.
A Verdade e as Formas Jurídicas
Entretanto, ao lado do dispositivo da periculosidade continua, ao longo de todo o século XX, existindo no Brasil e em muitos outros países, também o da tortura. Não mais para os escravos, mas para os “criminosos”, “marginais”, para os pobres em geral.
Tanto que em nossas constituições republicanas nada é apresentado sobre a prática da tortura. Somente a última, a de 1988 – já em final do século XX – prevê a criminalização desta prática; entretanto, é colocada ao lado dos crimes de terrorismo e tráfico de drogas 9.
III Tortura e Ditadura Militar
Assim, a tortura – que ao longo deste século tem sido cotidianamente utilizada contra os “desclassificados” sociais, inclusive sendo prática comum hoje em delegacias policiais, presídios, hospícios e muitos estabelecimentos que tratam dos chamados “infratores” e “delinqüentes” mirins – principalmente a partir do AI-5 (13/12/68), passou a ser também aplicada aos opositores políticos da ditadura militar.
Entretanto, desde os anos 20 – com o incremento do movimento anarquista – muitos militantes políticos foram presos e torturados. Da mesma forma, durante o Estado Novo muitos opositores sofreram suplícios na Polícia Política. Naquele período esta prática ainda não havia tomado o fórum de política oficial do Estado brasileiro.
Isto ocorreu a partir dos anos 60, assim como em muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos que passaram – e ainda hoje, alguns ainda passam – por regimes ditatoriais.
No nosso caso, apesar da implantação em 1964 de um governo de força, somente a partir do AI-5 é que a tortura se tornou uma política oficial de Estado.
Na verdade, muitos opositores políticos foram torturados naquela primeira fase da ditadura militar, mas eram casos pontuais. A vitória da chamada “linha dura”, o golpe dentro do golpe instituíram o terrorismo de Estado que utilizou sistematicamente o silenciamento e o extermínio de qualquer oposição ao regime. O AI-5 inaugurou também o governo Médici (1969-1974), período em que mais se torturou em nosso país 10.
Aproximando-se dos métodos inquisitoriais a tortura – nos anos 60, 70 e ainda hoje, no Brasil e em muitos outros países – persegue também a verdade, onde a confissão do supliciado é procurada a todo custo. Entretanto, diferentemente da Inquisição, não é ela que absolve e redime o torturado. Ela, inclusive, não é garantia para a manutenção da vida; ao contrário, muitos após terem “confessado” foram – e continuam sendo – mortos ou desaparecidos.
Além disso, tem tido como principal papel o controle social: pelo medo, cala, leva ao torpor, a conivências e omissões.
É interessante apontarmos como, nos anos 80 – com o processo de “abertura” – e ainda hoje, alguns profissionais “psi” têm tentado explicar psicopatologicamente o comportamento daqueles que participaram diretamente das torturas contra presos políticos.
Afirmo, como o fazia Hélio Pelegrino 11, que pensar somente pelo viés da Psicologia de que é possível conduta “sádica” ou “desequilibrada” nessas pessoas é, em realidade, cair na armadilha de justificar suas ações.
A questão deve ser colocada na crença que tinham – e, ainda hoje, muitos têm – de que para aqueles “perigosos” não havia outro caminho senão o da tortura.
Alguns psicólogos têm tentado encontrar características psicopatológicas em pessoas que participaram diretamente de regimes de terror.
Em 1976, por exemplo, Molly Harrower, psicóloga da Universidade da Flórida, ao examinar alguns testes de sete criminosos de guerra nazistas, como Adolf Eichmann e Herman Goring, realizados durante o processo de Nuremberg, surpreendeu-se por não encontrar características de personalidade “desajustada”.
O psicólogo norte-americano Stanley Milgran, demonstrou através de experimentos que qualquer pessoa pode produzir dor a outros, desde que receba ordens de alguém que considere como autoridade 12.
Chegou à conclusão de que a obediência cega às ordens emitidas por alguém que socialmente é percebido como autoridade, leva muitas pessoas a cometer atos considerados em nossa civilização como “bárbaros”.
Tal questão liga-se aos treinamentos que marcam a história das Forças Armadas e das Polícias Militares, não só em nosso país, onde técnicas de maus-tratos, de torturas são aplicadas aos recrutas com o objetivo de ensiná-los a matar e a praticar atos que mancham a categoria de humano.
Duas outras psicólogas Janice T. Gibson e Mika Haritos-Fatouros (1986), desenvolvendo os experimentos de Milgran, estudaram os métodos de treinamento que, durante a ditadura grega (1967-1974), foram utilizados nas polícias militares. Apontam como os maus-tratos aplicados aos recrutas, o juramento de lealdade e a irrestrita e cega obediência fizeram com que essas pessoas tivessem condutas inumanas e mesmo “aberrantes”.
Em estudos anteriores Haritos-Fatouros não encontraram evidências de comportamentos “sádicos”, “abusivos” ou patológicos nas histórias pessoais dos soldados gregos antes de se submeterem aos treinamentos.
Essas mesmas psicólogas entrevistaram soldados e ex-soldados do Corpo de Infantaria da Marinha e dos Boinas Verdes dos Estados Unidos e chegaram à conclusão que para o treinamento eram selecionados os mais saudáveis e que, após os ritos de iniciação, eram ensinados “novos” valores e normas através de atos que provocavam dores, sofrimentos, vexames e humilhações.
Os recrutas eram gradualmente “desensibilizados” diante da violência e sua resistência a atos repugnantes era totalmente vencida. Um dado importante levantado foi o de que o “inimigo” nos treinamentos era apresentado como um ser miserável, não humano. Isso tornava mais fácil matá-lo ou mesmo provocar-lhe danos. A férrea disciplina, a total submissão à hierarquia, à obediência, à crença de que o outro é um ser “perigoso” e “asqueroso” têm produzido, segundo as análises dessas psicólogas, muitos torturadores, pois estes “têm personalidade normais e necessitam ter suas emoções sob completo controle quando realizam seus trabalhos” 13.
Vimos como militares e policiais brasileiros defenderam, durante a ditadura militar, e ainda hoje muitos defendem, a existência de uma “guerra civil”. Da mesma forma, a tortura foi, e continua sendo, não só apoiada, mas defendida, embora de forma menos enfática publicamente. Em seu livro de memórias, o ex-presidente Ernesto Geisel afirmava:
(...) que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (...) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (...) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam havia vários procedimentos sobre tortura. O inglês, no seu serviço secreto, realiza com discrição. E nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente. Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior.”14
Em 1971, foi elaborado pelo Gabinete do Ministro do Exército e pelo seu Centro de Informações (CIEx) um manual sobre como proceder durante os interrogatórios feitos a presos políticos 15.
Alguns trechos apontavam que:
(...) O interrogatório é uma arte e não uma ciência (...) O interrogatório é um confronto de personalidades (...) O fator que decide o resultado de um interrogatório é a habilidade com que o interrogador domina o indivíduo, estabelecendo tal advertência para que ele se torne um cooperador submisso (...).
Uma agência de contra-informação não é um tribunal da justiça. Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques.
Disso se conclui que o objetivo de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a justiça criminal processá-los; seu objetivo real é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário, frequentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência.
É assaz importante que isto seja bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do direito (...) 16
Utilizando-se de alguns conhecimentos psicológicos, o Manual examina alguns tipos de pressão, no sentido de torná-las mais potentes para que possam ser melhor exploradas nos interrogatórios. Cita, inclusive, algumas situações e sintomas por elas produzidos, do ponto de vista físico e psicológico-existencial.
Para que a engrenagem da tortura funcionasse, e ainda funcione, de forma azeitada e produtiva foram, e ainda são, necessários muitos outros elos.
Muitos profissionais como psicólogos, psiquiatras, médicos legistas, advogados, dentre outros respaldaram, e ainda hoje continuam respaldando, tecnicamente os terrorismos de Estado em diferentes países, assessorando práticas de exclusão, com suas ações e saberes.
A história da participação ativa de muitos desses profissionais no Brasil ainda está para ser escrita.
Entretanto, algo deve ser aqui colocado, pois além de apoiar/respaldar a patologização daqueles que lutavam contra a ditadura militar 17, classificando-os como “carentes”, “desestruturados” e, portanto, doentes – através de uma pesquisa que utilizou uma série de testes psicológicos em presos políticos – alguns outros profissionais “psi” forneceram laudos psiquiátricos também a presos políticos, no período de 1964 a 1978.
Tanto na pesquisa realizada como nos laudos fornecidos temos “belíssimos” exemplos de como se patologiza, rotula, marginaliza e exclui aqueles que resistiam a um regime de força, e a muitos que ainda hoje são classificados como “perigosos”.
Também alguns médicos legistas legalizaram, em seus exames de necrópsia, a morte sob tortura de vários militantes políticos. Não descrevendo as marcas deixadas em seus corpos pelos suplícios sofridos, confirmaram em seus laudos as versões oficiais da repressão, como mortes ocorridas em tiroteios, atropelamentos ou por suicídios 18. O que, ainda hoje, sabemos vem ocorrendo.
Outros médicos também se destacaram acompanhando, como “técnicos da tortura”, os suplícios perpetrados contra muitos presos políticos. Foi o caso de Amilcar Lobo, José Lino Coutinho França e Ricardo Agnese Fayad, que tiveram seus registros médicos cassados em 1988, 2000 e 1995, respectivamente.
Poder-se-ia argumentar – e isto tem acontecido ultimamente, quando entidades de direitos humanos denunciam muitos daqueles que colaboraram com o aparato de repressão nos anos 60 e 70 – que esses profissionais estavam cumprindo ordens ou desenvolvendo um trabalho como outro qualquer. Alguns deles, inclusive, eram oficiais das Forças Armadas.
Entretanto, sabemos que, se não houvesse profissionais – quaisquer que sejam eles, em quaisquer áreas – aptos a prestar, voluntariamente, seu respaldo à repressão, esta não teria funcionado tão bem como funcionou.
Em todas as ditaduras latino-americanas e em outros regimes de força, estes só conseguiram se sustentar por tanto tempo, também – dentre vários outros fatores – porque existiram profissionais que, empregando seus saberes, deram apoio ao terrorismo de Estado em diferentes setores e áreas. Por isso, a máquina pôde se manter azeitada e funcionando.
Hoje em dia, sabemos que muitos desses profissionais continuam apoiando/respaldando com seus saberes as práticas repressivas oriundas de muitos agentes do Estado. Em outubro de 1993, por exemplo, seis presos por tráfico de armas foram retirados de um presídio no Rio de Janeiro e levados por dez dias para o quartel da Polícia do Exército, onde foram torturados tendo sido “acompanhados” por um médico19
IV Concluindo...
A relação entre pobreza e criminalidade – disseminadas por todo o Século XX, hoje atualiza-se e está presente nas falas daqueles que defendem a militarização da segurança pública, temerosos
pelas ondas de violência que os meios de comunicação alardeiam.
Está presente quando acreditamos que é uma realidade vivermos em uma “guerra civil e que é natural que suspeitos – porque pobres – sejam torturados e até desapareçam.
Tais crenças têm acompanhado ao longo do último século – pelo menos – os pensamentos, percepções, sentimentos e comportamentos dos brasileiros. Por isso não nos espantamos quando somente, em 1988, a tortura é oficialmente colocada como crime em nossa Constituição.
Se hoje não temos mais os suplícios públicos onde se aplicava a Lei de Talião temos, através do silenciamento de uns e dos aplausos de outros, uma nova lei emergindo e funcionando eficazmente.
Uma nova Lei de Talião que, ao arrepio das leis vigentes nos países “civilizados” e com o beneplácito e estímulo de suas autoridades, é aplicada a todos os pobres, porque suspeitos e, portanto, considerados culpados.
Uma nova “Doutrina de Segurança Nacional” que tem hoje como seu “inimigo interno” não mais os opositores políticos, mas os milhares de miseráveis que perambulam por nossos campos e cidades. Os milhares de sem teto, sem terra, sem casa, sem emprego que, vivendo miseravelmente, põem em risco a “segurança” do regime.
Daí, a urgência em produzir subjetividades que percebam tais segmentos como perigosos e, potencialmente, criminosos para que se possa em nome da manutenção/integridade/segurança da sociedade não somente silenciá-los e/ou ignorá-los – o que já não é mais possível – mas eliminá-los, exterminá-los através da ampliação/fortalecimento de políticas de segurança públicas militarizadas que apelem para a lei e a ordem.
Entretanto, apesar do poderio, força e enraizamento em muitos corações e mentes dessa nova Lei de Talião há linhas de fuga a serem construídas.
Há questões que precisam ser esclarecidas, trazidas à luz e desconstruídas demonstrando-se que não são eternas, ahistóricas e necessárias. São formas de pensar, perceber, sentir e agir produzidas pelas diferentes práticas dos homens que podem, portanto, ser mudadas, transformadas em subjetividades voltadas para a vida, para potencializar determinadas formas de existir neste mundo que, de um modo geral, têm sido desqualificadas, estigmatizadas e mesmo, negadas.
* Trabalho apresentado na mesa redonda do mesmo nome no Seminário Nacional sobre a Eficácia da Lei da Tortura, organizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, pelo Fórum Nacional dos Ouvidores de Polícia, pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal, realizado em Brasília, em 30/11/00. Este trabalho é parte da Pesquisa de Pós-Doutorado da autora -“Discursos Sobre Segurança Pública e Produção de Subjetividades: a violência urbana e alguns de seus efeitos”, realizada no NEV/USP, em 1998.
** Cecília Maria Bouças Coimbra é Psicóloga, Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Membro do Conselho Consultivo do Centro de Justiça Global.
Notas
1 Dallari, D.A. - “Prefácio” in Verri, P. – Observações Sobre a Tortura – SP, Martins Fontes, 1992, p. XXII.
2 Verri,P. – op.cit., p.94
3 Foucault, M. – Vigiar e Punir – RJ, Vozes, 1987, p.38.
4 Idem, p.42
5 Solórzano, L. de la B. – La Lid Contra Tortura – México, Cal y Arena
6 Foucault, M. – op.cit, p.14
7 Idem, p.21, citando Mably.
8 Ainda sobre o assunto consultar outras obras de Foucault, M.
9 À época, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e uma série de entidades de direitos humanos apresentaram emenda popular para que a tortura fosse criminalizada em parágrafo separado.
10 Segundo os 12 volumes do Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, uma das radiografias mais completas do período ditatorial no Brasil – trata-se da microfilmagem de todos os processos contra presos políticos que se encontram no Superior Tribunal Militar, no período de 1964 a 1978 – , 1.843 pessoas denunciaram, em Auditorias Militares, as torturas sofridas. Três volumes – “As Torturas”- num total de 2.847 páginas, descrevem de forma assustadora os tipos de suplícios a que esses opositores políticos foram submetidos, assim como os locais e os nomes de alguns de seus algozes.
11 Pelegrino, H. – Um regime que destrói in Heloysa, B. (org.) – I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro, Vozes, 1987, 95-103
12 Em seu experimento, Milgran, instruiu pessoas comuns que no teste de memória que realizava a cada erro deveria ser dado um choque elétrico que, gradativamente, crescia de intensidade até chegar a colocar a vida em risco. Cerca de 1/3 dos que participaram do experimento, sem saber que os que recebiam os choques eram atores contratados por Milgran, foram até o último choque. Sobre esta experiência consultar Milgran, S.
13 Gibson, J. e Haritos-Fatouros, M. – “La Educación de Um Torturador” in Psychology Today – Washington, D.C., American Psychological Association, nº. 3, dez/86, 22-28, p. 28.
14 O Globo – 19/10/97, p. 12, grifos meus.
15 Este documento, considerado “confidencial”, foi encontrado nos Arquivos do DOPS do Paraná, pela professora Derley Catarina de Luca.
16 Gabinete do Ministro, Centro de Informações do Exército – Manual de Interrogatório. Apud Comissão de Cidadania e Direitos Humanos – ALERS – Relatório Azul – P.A., Assembléia Legislativa, 1998, p. 285, grifos meus.
17 Esta parte sobre a participação “psi” no terrorismo de Estado em nosso país e sobre a pesquisa realizada por psicólogos sobre o “Perfil Psicológico do Terrorista Brasileiro” encontra-se no livro da autora Guardiães da Ordem: uma viagem pelas práticas “psi” no Brasil do “Milagre” – op.cit., 1995, pp. 194 a 206. Também sobre laudos psiquiátricos fornecidos a presos políticos consultar Arquidiocese de São Paulo – Brasil Nunca Mais – RJ, Vozes, 1985, especialmente os Capítulos 16 e 17, pp. 215 a 229.
18 O GNTM/RJ abriu processos, que correm hoje ainda, contra alguns desses médicos legistas nos Conselhos Regionais de Medicina dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1995, foi cassado pelo CRM/SP, o médico legista Pérsio Carneiro, primeiro caso na América Latina.
19 Tais declarações foram dadas ao GTNM/RJ que acompanhou o caso e denunciou-o publicamente à época. Entretanto, a pedido dos próprios presos – que foram aterrorizados – não se oficializaram as denúncias. Um deles assim se expressou, a um dos diretores do GTNM/RJ, sobre sua “estadia” no quartel da P.E. - “se o inferno tivesse cor ele seria verde oliva”.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com DHnet
Herança Cultural dos
Períodos Autoritários *
Por Cecília Maria Bouças Coimbra **
I Introdução
Este trabalho pretende levantar, mesmo que sucintamente, como as práticas de tortura estão presentes em nosso cotidiano e que implicações têm com os períodos autoritários pelos quais nosso país passou, em especial, o último: a ditadura militar de 64 a 85.
Pensa-se apontar como, nos anos 90, estas práticas passam a ser percebidas por grandes segmentos de nossa população como questões que não lhes dizem respeito e, até certo ponto, como aspectos necessários para conter a violência dos “perigosos”. Desde que aplicadas aos “diferentes”, “marginais” de todos os tipos, tais práticas são em realidade aceitas, embora, não defendidas publicamente.
É comum ouvirmos a seguinte pergunta quando se fala de tortura: “mas, o que ele fez?” Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum erro, deslize ou crime cometido pela vítima.
Somente em alguns casos – quando se trata de “pessoas inocentes” – há clamores públicos, o que mostra que para “certos” elementos essa medida até pode ser aceita.
Assim, apesar da sua não defesa pública, a omissão e mesmo a conivência por parte da sociedade fazem com que tais dispositivos se fortaleçam em nosso cotidiano.
A prática da tortura será aqui tratada como fazendo parte de uma política que, em um passado recente, foi oficial do Estado brasileiro e que hoje, apesar de oficiosa, continua sendo praticada por agentes desse mesmo Estado.
Não se trata, portanto, apenas de omissão, conivência e/ou tolerância por parte das autoridades para com tais questões, mas de uma política silenciosa, não falada, que aceita e mesmo estimula esses perversos procedimentos.
II Uma pequena história da tortura
A prática da tortura que percorre a história do Brasil foi durante séculos utilizada, em quase todo o mundo, como um exercício de vingança, sobre os corpos daqueles que se insurgiram contra o poder e a força do Rei; daí, os suplícios serem públicos.
Segundo o artigo 1o da Convenção da ONU “Sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”, de 10/12/84, a tortura é conceituada como:
“Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência” 1.
Segundo Verri (1992), o uso sistemático da tortura ocorreu após o século XI, na Europa, atingindo seu apogeu entre os séculos XIII e XVII, com a Inquisição 2.
Para Foucault (1988), naquele período, apesar dos suplícios serem públicos, todo o processo criminal – até a sentença – permanecia secreto não só para a população, mas para o próprio acusado.
A importância dada à confissão era enorme – considerada como a rainha das provas -, pois “o criminoso que confessa desempenha o papel de verdade viva” 3. Assim, os suplícios levam à redenção do sujeito se à luz do dia e à frente de todos chegar à verdade do crime que cometeu, pois “o verdadeiro suplício tem por função fazer brilhar a verdade” 4.
Portanto, as torturas eram impostas prolongando a dor física na medida da gravidade do ato cometido. Quanto mais grave o crime – pois além de sua vítima imediata, atacava o soberano, sua lei, seu poder, sua vontade – maior a extensão dos suplícios.
(...) esses resultados não eram atribuídos à Inquisição, mas ao réu porque não havia dito voluntariamente toda a verdade 5.
Além disso, multidões acompanhavam as “cerimônias” realizadas em torno dos suplícios aplicados aos considerados hereges; aqueles que as assistiam eram premiados com indulgências pela Igreja Católica.
Em nossa história colonial são conhecidas as torturas infligidas aos escravos, índios – que não eram considerados humanos – e aos “perigosos” de todos os tipos, como aqueles perseguidos pela Inquisição, e os que praticaram crimes de “lesa majestade”.
Segundo Foucault (1988) é com o advento do capitalismo industrial, no final do século XVIII e início do XIX, que as “grandes fogueiras” e a “melancólica festa” das punições vão se extinguindo 6.
Os suplícios saem do campo da percepção quase cotidiana e entram no da “consciência abstrata”: é a era da “sobriedade punitiva”, quando não é mais para o corpo que se dirige a punição, mas para a alma, devendo atuar “profundamente sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições”.
Assim, a premissa básica dos tempos modernos é: “que o castigo fira mais a alma que o corpo” 7.
Ou seja, não mais os atos praticados, mas aqueles que poderão vir a ser efetuados, dependendo da “alma” do sujeito: se ex-escravo, negro, mulato, migrante, pobre.
Inaugura-se a era da periculosidade, onde determinados segmentos por sua “alma”, sua essência, sua natureza deverão ser constantemente vigiados, disciplinados, normatizados. Entramos, segundo Foucault, nas sociedades disciplinares onde as instituições exercerão tal vigilância, produzindo corpos dóceis, adestrando não só o físico, mas fundamentalmente os espíritos 8.
A Verdade e as Formas Jurídicas
Entretanto, ao lado do dispositivo da periculosidade continua, ao longo de todo o século XX, existindo no Brasil e em muitos outros países, também o da tortura. Não mais para os escravos, mas para os “criminosos”, “marginais”, para os pobres em geral.
Tanto que em nossas constituições republicanas nada é apresentado sobre a prática da tortura. Somente a última, a de 1988 – já em final do século XX – prevê a criminalização desta prática; entretanto, é colocada ao lado dos crimes de terrorismo e tráfico de drogas 9.
III Tortura e Ditadura Militar
Assim, a tortura – que ao longo deste século tem sido cotidianamente utilizada contra os “desclassificados” sociais, inclusive sendo prática comum hoje em delegacias policiais, presídios, hospícios e muitos estabelecimentos que tratam dos chamados “infratores” e “delinqüentes” mirins – principalmente a partir do AI-5 (13/12/68), passou a ser também aplicada aos opositores políticos da ditadura militar.
Entretanto, desde os anos 20 – com o incremento do movimento anarquista – muitos militantes políticos foram presos e torturados. Da mesma forma, durante o Estado Novo muitos opositores sofreram suplícios na Polícia Política. Naquele período esta prática ainda não havia tomado o fórum de política oficial do Estado brasileiro.
Isto ocorreu a partir dos anos 60, assim como em muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos que passaram – e ainda hoje, alguns ainda passam – por regimes ditatoriais.
No nosso caso, apesar da implantação em 1964 de um governo de força, somente a partir do AI-5 é que a tortura se tornou uma política oficial de Estado.
Na verdade, muitos opositores políticos foram torturados naquela primeira fase da ditadura militar, mas eram casos pontuais. A vitória da chamada “linha dura”, o golpe dentro do golpe instituíram o terrorismo de Estado que utilizou sistematicamente o silenciamento e o extermínio de qualquer oposição ao regime. O AI-5 inaugurou também o governo Médici (1969-1974), período em que mais se torturou em nosso país 10.
Aproximando-se dos métodos inquisitoriais a tortura – nos anos 60, 70 e ainda hoje, no Brasil e em muitos outros países – persegue também a verdade, onde a confissão do supliciado é procurada a todo custo. Entretanto, diferentemente da Inquisição, não é ela que absolve e redime o torturado. Ela, inclusive, não é garantia para a manutenção da vida; ao contrário, muitos após terem “confessado” foram – e continuam sendo – mortos ou desaparecidos.
Além disso, tem tido como principal papel o controle social: pelo medo, cala, leva ao torpor, a conivências e omissões.
É interessante apontarmos como, nos anos 80 – com o processo de “abertura” – e ainda hoje, alguns profissionais “psi” têm tentado explicar psicopatologicamente o comportamento daqueles que participaram diretamente das torturas contra presos políticos.
Afirmo, como o fazia Hélio Pelegrino 11, que pensar somente pelo viés da Psicologia de que é possível conduta “sádica” ou “desequilibrada” nessas pessoas é, em realidade, cair na armadilha de justificar suas ações.
A questão deve ser colocada na crença que tinham – e, ainda hoje, muitos têm – de que para aqueles “perigosos” não havia outro caminho senão o da tortura.
Alguns psicólogos têm tentado encontrar características psicopatológicas em pessoas que participaram diretamente de regimes de terror.
Em 1976, por exemplo, Molly Harrower, psicóloga da Universidade da Flórida, ao examinar alguns testes de sete criminosos de guerra nazistas, como Adolf Eichmann e Herman Goring, realizados durante o processo de Nuremberg, surpreendeu-se por não encontrar características de personalidade “desajustada”.
O psicólogo norte-americano Stanley Milgran, demonstrou através de experimentos que qualquer pessoa pode produzir dor a outros, desde que receba ordens de alguém que considere como autoridade 12.
Chegou à conclusão de que a obediência cega às ordens emitidas por alguém que socialmente é percebido como autoridade, leva muitas pessoas a cometer atos considerados em nossa civilização como “bárbaros”.
Tal questão liga-se aos treinamentos que marcam a história das Forças Armadas e das Polícias Militares, não só em nosso país, onde técnicas de maus-tratos, de torturas são aplicadas aos recrutas com o objetivo de ensiná-los a matar e a praticar atos que mancham a categoria de humano.
Duas outras psicólogas Janice T. Gibson e Mika Haritos-Fatouros (1986), desenvolvendo os experimentos de Milgran, estudaram os métodos de treinamento que, durante a ditadura grega (1967-1974), foram utilizados nas polícias militares. Apontam como os maus-tratos aplicados aos recrutas, o juramento de lealdade e a irrestrita e cega obediência fizeram com que essas pessoas tivessem condutas inumanas e mesmo “aberrantes”.
Em estudos anteriores Haritos-Fatouros não encontraram evidências de comportamentos “sádicos”, “abusivos” ou patológicos nas histórias pessoais dos soldados gregos antes de se submeterem aos treinamentos.
Essas mesmas psicólogas entrevistaram soldados e ex-soldados do Corpo de Infantaria da Marinha e dos Boinas Verdes dos Estados Unidos e chegaram à conclusão que para o treinamento eram selecionados os mais saudáveis e que, após os ritos de iniciação, eram ensinados “novos” valores e normas através de atos que provocavam dores, sofrimentos, vexames e humilhações.
Os recrutas eram gradualmente “desensibilizados” diante da violência e sua resistência a atos repugnantes era totalmente vencida. Um dado importante levantado foi o de que o “inimigo” nos treinamentos era apresentado como um ser miserável, não humano. Isso tornava mais fácil matá-lo ou mesmo provocar-lhe danos. A férrea disciplina, a total submissão à hierarquia, à obediência, à crença de que o outro é um ser “perigoso” e “asqueroso” têm produzido, segundo as análises dessas psicólogas, muitos torturadores, pois estes “têm personalidade normais e necessitam ter suas emoções sob completo controle quando realizam seus trabalhos” 13.
Vimos como militares e policiais brasileiros defenderam, durante a ditadura militar, e ainda hoje muitos defendem, a existência de uma “guerra civil”. Da mesma forma, a tortura foi, e continua sendo, não só apoiada, mas defendida, embora de forma menos enfática publicamente. Em seu livro de memórias, o ex-presidente Ernesto Geisel afirmava:
(...) que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (...) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (...) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam havia vários procedimentos sobre tortura. O inglês, no seu serviço secreto, realiza com discrição. E nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente. Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior.”14
Em 1971, foi elaborado pelo Gabinete do Ministro do Exército e pelo seu Centro de Informações (CIEx) um manual sobre como proceder durante os interrogatórios feitos a presos políticos 15.
Alguns trechos apontavam que:
(...) O interrogatório é uma arte e não uma ciência (...) O interrogatório é um confronto de personalidades (...) O fator que decide o resultado de um interrogatório é a habilidade com que o interrogador domina o indivíduo, estabelecendo tal advertência para que ele se torne um cooperador submisso (...).
Uma agência de contra-informação não é um tribunal da justiça. Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques.
Disso se conclui que o objetivo de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a justiça criminal processá-los; seu objetivo real é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isso será necessário, frequentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência.
É assaz importante que isto seja bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do direito (...) 16
Utilizando-se de alguns conhecimentos psicológicos, o Manual examina alguns tipos de pressão, no sentido de torná-las mais potentes para que possam ser melhor exploradas nos interrogatórios. Cita, inclusive, algumas situações e sintomas por elas produzidos, do ponto de vista físico e psicológico-existencial.
Para que a engrenagem da tortura funcionasse, e ainda funcione, de forma azeitada e produtiva foram, e ainda são, necessários muitos outros elos.
Muitos profissionais como psicólogos, psiquiatras, médicos legistas, advogados, dentre outros respaldaram, e ainda hoje continuam respaldando, tecnicamente os terrorismos de Estado em diferentes países, assessorando práticas de exclusão, com suas ações e saberes.
A história da participação ativa de muitos desses profissionais no Brasil ainda está para ser escrita.
Entretanto, algo deve ser aqui colocado, pois além de apoiar/respaldar a patologização daqueles que lutavam contra a ditadura militar 17, classificando-os como “carentes”, “desestruturados” e, portanto, doentes – através de uma pesquisa que utilizou uma série de testes psicológicos em presos políticos – alguns outros profissionais “psi” forneceram laudos psiquiátricos também a presos políticos, no período de 1964 a 1978.
Tanto na pesquisa realizada como nos laudos fornecidos temos “belíssimos” exemplos de como se patologiza, rotula, marginaliza e exclui aqueles que resistiam a um regime de força, e a muitos que ainda hoje são classificados como “perigosos”.
Também alguns médicos legistas legalizaram, em seus exames de necrópsia, a morte sob tortura de vários militantes políticos. Não descrevendo as marcas deixadas em seus corpos pelos suplícios sofridos, confirmaram em seus laudos as versões oficiais da repressão, como mortes ocorridas em tiroteios, atropelamentos ou por suicídios 18. O que, ainda hoje, sabemos vem ocorrendo.
Outros médicos também se destacaram acompanhando, como “técnicos da tortura”, os suplícios perpetrados contra muitos presos políticos. Foi o caso de Amilcar Lobo, José Lino Coutinho França e Ricardo Agnese Fayad, que tiveram seus registros médicos cassados em 1988, 2000 e 1995, respectivamente.
Poder-se-ia argumentar – e isto tem acontecido ultimamente, quando entidades de direitos humanos denunciam muitos daqueles que colaboraram com o aparato de repressão nos anos 60 e 70 – que esses profissionais estavam cumprindo ordens ou desenvolvendo um trabalho como outro qualquer. Alguns deles, inclusive, eram oficiais das Forças Armadas.
Entretanto, sabemos que, se não houvesse profissionais – quaisquer que sejam eles, em quaisquer áreas – aptos a prestar, voluntariamente, seu respaldo à repressão, esta não teria funcionado tão bem como funcionou.
Em todas as ditaduras latino-americanas e em outros regimes de força, estes só conseguiram se sustentar por tanto tempo, também – dentre vários outros fatores – porque existiram profissionais que, empregando seus saberes, deram apoio ao terrorismo de Estado em diferentes setores e áreas. Por isso, a máquina pôde se manter azeitada e funcionando.
Hoje em dia, sabemos que muitos desses profissionais continuam apoiando/respaldando com seus saberes as práticas repressivas oriundas de muitos agentes do Estado. Em outubro de 1993, por exemplo, seis presos por tráfico de armas foram retirados de um presídio no Rio de Janeiro e levados por dez dias para o quartel da Polícia do Exército, onde foram torturados tendo sido “acompanhados” por um médico19
IV Concluindo...
A relação entre pobreza e criminalidade – disseminadas por todo o Século XX, hoje atualiza-se e está presente nas falas daqueles que defendem a militarização da segurança pública, temerosos
pelas ondas de violência que os meios de comunicação alardeiam.
Está presente quando acreditamos que é uma realidade vivermos em uma “guerra civil e que é natural que suspeitos – porque pobres – sejam torturados e até desapareçam.
Tais crenças têm acompanhado ao longo do último século – pelo menos – os pensamentos, percepções, sentimentos e comportamentos dos brasileiros. Por isso não nos espantamos quando somente, em 1988, a tortura é oficialmente colocada como crime em nossa Constituição.
Se hoje não temos mais os suplícios públicos onde se aplicava a Lei de Talião temos, através do silenciamento de uns e dos aplausos de outros, uma nova lei emergindo e funcionando eficazmente.
Uma nova Lei de Talião que, ao arrepio das leis vigentes nos países “civilizados” e com o beneplácito e estímulo de suas autoridades, é aplicada a todos os pobres, porque suspeitos e, portanto, considerados culpados.
Uma nova “Doutrina de Segurança Nacional” que tem hoje como seu “inimigo interno” não mais os opositores políticos, mas os milhares de miseráveis que perambulam por nossos campos e cidades. Os milhares de sem teto, sem terra, sem casa, sem emprego que, vivendo miseravelmente, põem em risco a “segurança” do regime.
Daí, a urgência em produzir subjetividades que percebam tais segmentos como perigosos e, potencialmente, criminosos para que se possa em nome da manutenção/integridade/segurança da sociedade não somente silenciá-los e/ou ignorá-los – o que já não é mais possível – mas eliminá-los, exterminá-los através da ampliação/fortalecimento de políticas de segurança públicas militarizadas que apelem para a lei e a ordem.
Entretanto, apesar do poderio, força e enraizamento em muitos corações e mentes dessa nova Lei de Talião há linhas de fuga a serem construídas.
Há questões que precisam ser esclarecidas, trazidas à luz e desconstruídas demonstrando-se que não são eternas, ahistóricas e necessárias. São formas de pensar, perceber, sentir e agir produzidas pelas diferentes práticas dos homens que podem, portanto, ser mudadas, transformadas em subjetividades voltadas para a vida, para potencializar determinadas formas de existir neste mundo que, de um modo geral, têm sido desqualificadas, estigmatizadas e mesmo, negadas.
* Trabalho apresentado na mesa redonda do mesmo nome no Seminário Nacional sobre a Eficácia da Lei da Tortura, organizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, pelo Fórum Nacional dos Ouvidores de Polícia, pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal, realizado em Brasília, em 30/11/00. Este trabalho é parte da Pesquisa de Pós-Doutorado da autora -“Discursos Sobre Segurança Pública e Produção de Subjetividades: a violência urbana e alguns de seus efeitos”, realizada no NEV/USP, em 1998.
** Cecília Maria Bouças Coimbra é Psicóloga, Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Membro do Conselho Consultivo do Centro de Justiça Global.
Notas
1 Dallari, D.A. - “Prefácio” in Verri, P. – Observações Sobre a Tortura – SP, Martins Fontes, 1992, p. XXII.
2 Verri,P. – op.cit., p.94
3 Foucault, M. – Vigiar e Punir – RJ, Vozes, 1987, p.38.
4 Idem, p.42
5 Solórzano, L. de la B. – La Lid Contra Tortura – México, Cal y Arena
6 Foucault, M. – op.cit, p.14
7 Idem, p.21, citando Mably.
8 Ainda sobre o assunto consultar outras obras de Foucault, M.
9 À época, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e uma série de entidades de direitos humanos apresentaram emenda popular para que a tortura fosse criminalizada em parágrafo separado.
10 Segundo os 12 volumes do Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, uma das radiografias mais completas do período ditatorial no Brasil – trata-se da microfilmagem de todos os processos contra presos políticos que se encontram no Superior Tribunal Militar, no período de 1964 a 1978 – , 1.843 pessoas denunciaram, em Auditorias Militares, as torturas sofridas. Três volumes – “As Torturas”- num total de 2.847 páginas, descrevem de forma assustadora os tipos de suplícios a que esses opositores políticos foram submetidos, assim como os locais e os nomes de alguns de seus algozes.
11 Pelegrino, H. – Um regime que destrói in Heloysa, B. (org.) – I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro, Vozes, 1987, 95-103
12 Em seu experimento, Milgran, instruiu pessoas comuns que no teste de memória que realizava a cada erro deveria ser dado um choque elétrico que, gradativamente, crescia de intensidade até chegar a colocar a vida em risco. Cerca de 1/3 dos que participaram do experimento, sem saber que os que recebiam os choques eram atores contratados por Milgran, foram até o último choque. Sobre esta experiência consultar Milgran, S.
13 Gibson, J. e Haritos-Fatouros, M. – “La Educación de Um Torturador” in Psychology Today – Washington, D.C., American Psychological Association, nº. 3, dez/86, 22-28, p. 28.
14 O Globo – 19/10/97, p. 12, grifos meus.
15 Este documento, considerado “confidencial”, foi encontrado nos Arquivos do DOPS do Paraná, pela professora Derley Catarina de Luca.
16 Gabinete do Ministro, Centro de Informações do Exército – Manual de Interrogatório. Apud Comissão de Cidadania e Direitos Humanos – ALERS – Relatório Azul – P.A., Assembléia Legislativa, 1998, p. 285, grifos meus.
17 Esta parte sobre a participação “psi” no terrorismo de Estado em nosso país e sobre a pesquisa realizada por psicólogos sobre o “Perfil Psicológico do Terrorista Brasileiro” encontra-se no livro da autora Guardiães da Ordem: uma viagem pelas práticas “psi” no Brasil do “Milagre” – op.cit., 1995, pp. 194 a 206. Também sobre laudos psiquiátricos fornecidos a presos políticos consultar Arquidiocese de São Paulo – Brasil Nunca Mais – RJ, Vozes, 1985, especialmente os Capítulos 16 e 17, pp. 215 a 229.
18 O GNTM/RJ abriu processos, que correm hoje ainda, contra alguns desses médicos legistas nos Conselhos Regionais de Medicina dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1995, foi cassado pelo CRM/SP, o médico legista Pérsio Carneiro, primeiro caso na América Latina.
19 Tais declarações foram dadas ao GTNM/RJ que acompanhou o caso e denunciou-o publicamente à época. Entretanto, a pedido dos próprios presos – que foram aterrorizados – não se oficializaram as denúncias. Um deles assim se expressou, a um dos diretores do GTNM/RJ, sobre sua “estadia” no quartel da P.E. - “se o inferno tivesse cor ele seria verde oliva”.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com DHnet
Argentina, Chile e Peru já fizeram Comissões de Verdade
As “comissões verdade” já foram criadas na Argentina, Chile e Peru.
Uma das mais importantes foi a Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru, criada em 2001. Vários casos analisados por essa comissão foram encaminhados ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e suas investigações fundamentaram processos como o que permitiu que Alberto Fujimori acabasse preso por crimes cometidos durante seus mandatos presidenciais.
No caso da Argentina, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas foi criada em dezembro de 1983, logo após o fim da ditadura militar.
No Chile, a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação foi criada em 1990 após a saída do general Pinochet.
Na Guatemala, foi criada a Comissão para o Esclarecimento Histórico, em julho de 1994, pelo Acordo de Oslo. Essa comissão reuniu, assim como em El Salvador, o governo nacional e a guerrilha. Suas recomendações reforçaram a necessidade de mudanças legislativas e institucionais.
A Comissão da Verdade do Panamá criada em 2001 ainda está em funcionamento, com representantes da Igreja Católica - que assumiram o comando dos trabalhos - e da sociedade civil. O objetivo é esclarecer as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar no Panamá de 1968 a 89.
O Brasil é hoje um dos países mais atrasados da América Latina quanto à publicidade dos crimes cometidos nas administrações militares, na avaliação da representante do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Beatriz Stella de Azevedo Affonso.
Ela critica o posicionamento do governo brasileiro no exterior “de negar as feridas” deixadas pelas ações de repressão durante o regime militar. “A postura é sempre de tentar convencer as autoridades de justiça internacionais de que tudo aqui já foi resolvido, quando isso não é verdade”, afirma. A representante do Cejil participou da criação da Comissão de Verdade” no País.
Nas últimas décadas, diversos países da América Latina e África estabeleceram comissões com os nomes de “verdade”, “memória” ou “reconciliação” para revelar procedimentos errados de governos ou de guerrilhas. Um dos principais exemplos dessas comissões foi a Comissão Verdade e Reconciliação estabelecida pelo ex-presidente sul-africano Nelson Mandela logo após o apartheid.
O procurador regional da República de São Paulo Marlon Wichert acredita que experiências internacionais podem servir de exemplo para o que se pretende implantar no Brasil. “As vítimas da ditadura têm o direito inalienável de saber o que aconteceu, com quem, quando, por que e quem foi o autor desse dano. Temos um entendimento errado no Direito brasileiro de que a vítima não tem o direito à verdade”, aponta.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes
Uma das mais importantes foi a Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru, criada em 2001. Vários casos analisados por essa comissão foram encaminhados ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e suas investigações fundamentaram processos como o que permitiu que Alberto Fujimori acabasse preso por crimes cometidos durante seus mandatos presidenciais.
No caso da Argentina, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas foi criada em dezembro de 1983, logo após o fim da ditadura militar.
No Chile, a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação foi criada em 1990 após a saída do general Pinochet.
Na Guatemala, foi criada a Comissão para o Esclarecimento Histórico, em julho de 1994, pelo Acordo de Oslo. Essa comissão reuniu, assim como em El Salvador, o governo nacional e a guerrilha. Suas recomendações reforçaram a necessidade de mudanças legislativas e institucionais.
A Comissão da Verdade do Panamá criada em 2001 ainda está em funcionamento, com representantes da Igreja Católica - que assumiram o comando dos trabalhos - e da sociedade civil. O objetivo é esclarecer as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar no Panamá de 1968 a 89.
O Brasil é hoje um dos países mais atrasados da América Latina quanto à publicidade dos crimes cometidos nas administrações militares, na avaliação da representante do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Beatriz Stella de Azevedo Affonso.
Ela critica o posicionamento do governo brasileiro no exterior “de negar as feridas” deixadas pelas ações de repressão durante o regime militar. “A postura é sempre de tentar convencer as autoridades de justiça internacionais de que tudo aqui já foi resolvido, quando isso não é verdade”, afirma. A representante do Cejil participou da criação da Comissão de Verdade” no País.
Nas últimas décadas, diversos países da América Latina e África estabeleceram comissões com os nomes de “verdade”, “memória” ou “reconciliação” para revelar procedimentos errados de governos ou de guerrilhas. Um dos principais exemplos dessas comissões foi a Comissão Verdade e Reconciliação estabelecida pelo ex-presidente sul-africano Nelson Mandela logo após o apartheid.
O procurador regional da República de São Paulo Marlon Wichert acredita que experiências internacionais podem servir de exemplo para o que se pretende implantar no Brasil. “As vítimas da ditadura têm o direito inalienável de saber o que aconteceu, com quem, quando, por que e quem foi o autor desse dano. Temos um entendimento errado no Direito brasileiro de que a vítima não tem o direito à verdade”, aponta.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes
Estrangeiros Explicam Reconciliação Nacional
O grupo de trabalho que elaborará o anteprojeto de lei para instituir a Comissão Nacional da Verdade realizou dia 26 passado em Brasília uma oficina a portas fechadas para ouvir especialistas estrangeiros em processos de reconciliação nacional e no funcionamento dessas comissões.
A justiça de transição é um conceito criado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Reúne quatro tarefas fundamentais para os Estados lidarem com o legado deixado por regimes de exceção e consolidarem a democracia. São elas: reforma das instituições; o direito à memória e à verdade; o direito à reparação e o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado.
Estiveram em Brasília o peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional de Justiça de Transição, Catalina Smulovitz, da Comissão da Verdade da Argentina, e o norte-americano Peter Kaornbluh, do National Archives and Records Administration.
O grupo ouviu no mesmo dia em São Paulo o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Santiago Canton, e o representante do Comissariado das Nações Unidas, Juan Mendes.
De acordo com o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, há cerca de 20 países - nove na América Latina - onde funcionaram comissões da Verdade.
A fase de consulta aos especialistas estrangeiros antecede a redação do anteprojeto de lei. Segundo o ministro, ainda em março o grupo de trabalho começa a redigir a proposta que deverá ser concluída até 30 de abril, conforme previsto em decreto presidencial.
Para especialistas, o projeto de lei da Comissão da Verdade poderá ter dificuldade de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado em um ano de eleições gerais.
É possível, portanto, que a comissão só venha a ser votada na próxima legislatura do Congresso Nacional e a ser instalada pelo próximo presidente da República, a ser eleito em outubro.
De acordo com o presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós- Graduação (Andhep), Eduardo Bittar, a demora na tramitação pode ser positiva.
- Esse cozimento pode ser virtuoso e significar um processo lento de amadurecimento, que evita a precipitação - avaliou o pesquisador, que também é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Tarefa de Memória
Segundo Bittar, a futura Comissão da Verdade terá a tarefa da memória, isto é, resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno, evidenciar a importância da vigilância cidadã e democrática das instituições e de seu uso público, permitir a indenização material de familiares e vítimas e avançar em direção à punição - ainda que simbólica - dos envolvidos.
Evitar o retorno a contextos não democráticos é outro objetivo, lna opinião do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
- Não se pode avançar na vida democrática desconfiando que isso pode acontecer de novo - disse, acrescentando que a apuração e a eventual punição são mecanismos institucionais para estabelecer confiança entre os cidadãos.
Para Adorno, a Comissão da Verdade não deve ter como meta a vingança. O mesmo tom ponderado tem sido utilizado pelo ministro Paulo Vannuchi.
- Não é revanchismo, não é para abrir feridas - disse à saída de um encontro na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Além de Vannuchi, o grupo que elabora o anteprojeto de lei sobre a Comissão da Verdade é formado pelo ex-secretário de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, pelo presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antônio Barbosa, pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, pelo consultor jurídico do Ministério da Justiça, Vilson Vedana, e pela secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, que coordena o trabalho.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
A justiça de transição é um conceito criado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Reúne quatro tarefas fundamentais para os Estados lidarem com o legado deixado por regimes de exceção e consolidarem a democracia. São elas: reforma das instituições; o direito à memória e à verdade; o direito à reparação e o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado.
Estiveram em Brasília o peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional de Justiça de Transição, Catalina Smulovitz, da Comissão da Verdade da Argentina, e o norte-americano Peter Kaornbluh, do National Archives and Records Administration.
O grupo ouviu no mesmo dia em São Paulo o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Santiago Canton, e o representante do Comissariado das Nações Unidas, Juan Mendes.
De acordo com o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, há cerca de 20 países - nove na América Latina - onde funcionaram comissões da Verdade.
A fase de consulta aos especialistas estrangeiros antecede a redação do anteprojeto de lei. Segundo o ministro, ainda em março o grupo de trabalho começa a redigir a proposta que deverá ser concluída até 30 de abril, conforme previsto em decreto presidencial.
Para especialistas, o projeto de lei da Comissão da Verdade poderá ter dificuldade de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado em um ano de eleições gerais.
É possível, portanto, que a comissão só venha a ser votada na próxima legislatura do Congresso Nacional e a ser instalada pelo próximo presidente da República, a ser eleito em outubro.
De acordo com o presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós- Graduação (Andhep), Eduardo Bittar, a demora na tramitação pode ser positiva.
- Esse cozimento pode ser virtuoso e significar um processo lento de amadurecimento, que evita a precipitação - avaliou o pesquisador, que também é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Tarefa de Memória
Segundo Bittar, a futura Comissão da Verdade terá a tarefa da memória, isto é, resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno, evidenciar a importância da vigilância cidadã e democrática das instituições e de seu uso público, permitir a indenização material de familiares e vítimas e avançar em direção à punição - ainda que simbólica - dos envolvidos.
Evitar o retorno a contextos não democráticos é outro objetivo, lna opinião do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
- Não se pode avançar na vida democrática desconfiando que isso pode acontecer de novo - disse, acrescentando que a apuração e a eventual punição são mecanismos institucionais para estabelecer confiança entre os cidadãos.
Para Adorno, a Comissão da Verdade não deve ter como meta a vingança. O mesmo tom ponderado tem sido utilizado pelo ministro Paulo Vannuchi.
- Não é revanchismo, não é para abrir feridas - disse à saída de um encontro na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Além de Vannuchi, o grupo que elabora o anteprojeto de lei sobre a Comissão da Verdade é formado pelo ex-secretário de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, pelo presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antônio Barbosa, pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, pelo consultor jurídico do Ministério da Justiça, Vilson Vedana, e pela secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, que coordena o trabalho.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
Memória que não se apaga
Tempo e anistia não inviabilizam
Comissão da Verdade,
dizem especialistas
Especialistas e defensores de direitos humanos contestaram o argumento de que passados 25 anos do fim da ditadura militar (1964-1985), não cabe mais ao país apurar o que ocorreu durante o período.
- Todos sabemos que a cronologia não importa quando a dimensão dos fatos tem essa profundidade - disse Eduardo Bittar, presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação.
Para Bittar, que também é professor de direito da Universidade de São Paulo, "ninguém pode esquecer o que se produziu na Segunda Guerra Mundial somente porque essa guerra se deu há mais de 50 anos. Assim, a tarefa da memória é uma missão ampla de resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno".
Argumento semelhante tem o advogado peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional para Justiça de Transição:
- A Comissão da Verdade sul-africana teve que enfrentar fatos ocorridos em 1948. Na Argentina e no Chile, também foram verificados antes das investigações processos de esclarecimento de fatos que ocorreram há 25 anos – lembrou o peruano.
Na avaliação de Ciurlizza, todos os países que passaram por processos de ditadura para democracia, ou de guerra para a paz, têm que responder a algumas perguntas fundamentais. Para ele, o significado central de uma comissão da verdade é ético e moral.
O advogado esteve em Brasília, a convite do Ministério da Justiça, na reunião do grupo de trabalho formado pelo governo e pela sociedade civil que deverá elaborar a lei da Comissão da Verdade até 30 de abril. Em sua avaliação, a comissão deverá funcionar não menos do que um ano e meio e não mais que três anos.
Ciurlizza recomenda que a comissão aproveite a documentação produzida desde o projeto "Brasil, Nunca Mais"; que faça um levantamento de vítimas, autores e dos crimes cometidos; que estabeleça uma "narração histórica final" sobre o período; e apresente recomendações para que a democracia não volte a faltar.
Os dois especialistas também não consideram o argumento de que a Lei da Anistia foi "ampla, geral e irrestrita" e, portanto, perdoou crimes comuns como sequestro, tortura, estupro e homicídio, praticados por militares e policiais que atuaram na repressão do Estado autoritário.
"O Brasil é o único país que apela para a interpretação absoluta de uma lei de anistia"
afirmou Ciurlizza, que conhece o caso de mais de 30 países que instalaram Comissões da Verdade.
- A anistia resolveu um problema político, mas não pode significar impunidade – disse.
Para Bittar, a anistia produziu a reconciliação nacional, mas a revisão da Lei de Anistia se impõe, especialmente se considerados os compromissos assumidos internacionalmente pelo país.
- A anistia que se concede a perseguidos políticos tem pouco a ver com a tarefa daqueles que abusaram do poder de polícia conferido ao Estado e extrapolaram as ações de realização da legalidade – afirmou.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
Comissão da Verdade,
dizem especialistas
Especialistas e defensores de direitos humanos contestaram o argumento de que passados 25 anos do fim da ditadura militar (1964-1985), não cabe mais ao país apurar o que ocorreu durante o período.
- Todos sabemos que a cronologia não importa quando a dimensão dos fatos tem essa profundidade - disse Eduardo Bittar, presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação.
Para Bittar, que também é professor de direito da Universidade de São Paulo, "ninguém pode esquecer o que se produziu na Segunda Guerra Mundial somente porque essa guerra se deu há mais de 50 anos. Assim, a tarefa da memória é uma missão ampla de resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno".
Argumento semelhante tem o advogado peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional para Justiça de Transição:
- A Comissão da Verdade sul-africana teve que enfrentar fatos ocorridos em 1948. Na Argentina e no Chile, também foram verificados antes das investigações processos de esclarecimento de fatos que ocorreram há 25 anos – lembrou o peruano.
Na avaliação de Ciurlizza, todos os países que passaram por processos de ditadura para democracia, ou de guerra para a paz, têm que responder a algumas perguntas fundamentais. Para ele, o significado central de uma comissão da verdade é ético e moral.
O advogado esteve em Brasília, a convite do Ministério da Justiça, na reunião do grupo de trabalho formado pelo governo e pela sociedade civil que deverá elaborar a lei da Comissão da Verdade até 30 de abril. Em sua avaliação, a comissão deverá funcionar não menos do que um ano e meio e não mais que três anos.
Ciurlizza recomenda que a comissão aproveite a documentação produzida desde o projeto "Brasil, Nunca Mais"; que faça um levantamento de vítimas, autores e dos crimes cometidos; que estabeleça uma "narração histórica final" sobre o período; e apresente recomendações para que a democracia não volte a faltar.
Os dois especialistas também não consideram o argumento de que a Lei da Anistia foi "ampla, geral e irrestrita" e, portanto, perdoou crimes comuns como sequestro, tortura, estupro e homicídio, praticados por militares e policiais que atuaram na repressão do Estado autoritário.
"O Brasil é o único país que apela para a interpretação absoluta de uma lei de anistia"
afirmou Ciurlizza, que conhece o caso de mais de 30 países que instalaram Comissões da Verdade.
- A anistia resolveu um problema político, mas não pode significar impunidade – disse.
Para Bittar, a anistia produziu a reconciliação nacional, mas a revisão da Lei de Anistia se impõe, especialmente se considerados os compromissos assumidos internacionalmente pelo país.
- A anistia que se concede a perseguidos políticos tem pouco a ver com a tarefa daqueles que abusaram do poder de polícia conferido ao Estado e extrapolaram as ações de realização da legalidade – afirmou.
Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil
Unesco protegerá papéis da ditadura
O ministro de Direitos Humanos Paulo Vannucchi e o Arquivo Nacional solicitaram à Unesco, em Paris, a classificação dos papéis recebidos recentemente da Aeronáutica como “memórias do mundo”. São milhões de páginas que precisam de proteção.
Vannucchi acredita que o Brasil pode ter o maior arquivo de toda a América Latina em relação ao período das ditaduras na região. Com o envolvimento da Unesco os arquivos ganharão um novo status de proteção e cuidados especiais para preservação.
O ministro garante que prossegue com o projeto para formar a Comissão de Verdade e Justiça. "Vamos iniciar as reuniões para a redação do anteprojeto de lei no dia 9 de março", explicou.
Um grupo de especialistas internacionais esteve em Brasília em março avaliando como 20 países lidaram com o passado de ditadura. "Precisamos definir quem fará parte da comissão, por quanto tempo trabalhará e outros pontos", indicou.
A meta é acelerar os trabalhos. Ele quer enviar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril o texto para que se contornem obstáculos. Vannucchi garantiu que seu objetivo não é o de criar "revanchismos" no País e nem uma "condenação sectária".
Admite que o Plano de Direitos Humanos gerou "intensas críticas". Mas alertou que questionamento de partes do plano, como no setor de imprensa, podem ser escudo de grupos para interromper o debate sobre o passado do País.
Vannucchi acredita que o Brasil pode ter o maior arquivo de toda a América Latina em relação ao período das ditaduras na região. Com o envolvimento da Unesco os arquivos ganharão um novo status de proteção e cuidados especiais para preservação.
O ministro garante que prossegue com o projeto para formar a Comissão de Verdade e Justiça. "Vamos iniciar as reuniões para a redação do anteprojeto de lei no dia 9 de março", explicou.
Um grupo de especialistas internacionais esteve em Brasília em março avaliando como 20 países lidaram com o passado de ditadura. "Precisamos definir quem fará parte da comissão, por quanto tempo trabalhará e outros pontos", indicou.
A meta é acelerar os trabalhos. Ele quer enviar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril o texto para que se contornem obstáculos. Vannucchi garantiu que seu objetivo não é o de criar "revanchismos" no País e nem uma "condenação sectária".
Admite que o Plano de Direitos Humanos gerou "intensas críticas". Mas alertou que questionamento de partes do plano, como no setor de imprensa, podem ser escudo de grupos para interromper o debate sobre o passado do País.
Assinar:
Postagens (Atom)