Memória que não se apaga

Tempo e anistia não inviabilizam
Comissão da Verdade,
dizem especialistas


Especialistas e defensores de direitos humanos contestaram o argumento de que passados 25 anos do fim da ditadura militar (1964-1985), não cabe mais ao país apurar o que ocorreu durante o período.

- Todos sabemos que a cronologia não importa quando a dimensão dos fatos tem essa profundidade - disse Eduardo Bittar, presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação.

Para Bittar, que também é professor de direito da Universidade de São Paulo, "ninguém pode esquecer o que se produziu na Segunda Guerra Mundial somente porque essa guerra se deu há mais de 50 anos. Assim, a tarefa da memória é uma missão ampla de resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno".

Argumento semelhante tem o advogado peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional para Justiça de Transição:

- A Comissão da Verdade sul-africana teve que enfrentar fatos ocorridos em 1948. Na Argentina e no Chile, também foram verificados antes das investigações processos de esclarecimento de fatos que ocorreram há 25 anos – lembrou o peruano.

Na avaliação de Ciurlizza, todos os países que passaram por processos de ditadura para democracia, ou de guerra para a paz, têm que responder a algumas perguntas fundamentais. Para ele, o significado central de uma comissão da verdade é ético e moral.

O advogado esteve em Brasília, a convite do Ministério da Justiça, na reunião do grupo de trabalho formado pelo governo e pela sociedade civil que deverá elaborar a lei da Comissão da Verdade até 30 de abril. Em sua avaliação, a comissão deverá funcionar não menos do que um ano e meio e não mais que três anos.

Ciurlizza recomenda que a comissão aproveite a documentação produzida desde o projeto "Brasil, Nunca Mais"; que faça um levantamento de vítimas, autores e dos crimes cometidos; que estabeleça uma "narração histórica final" sobre o período; e apresente recomendações para que a democracia não volte a faltar.

Os dois especialistas também não consideram o argumento de que a Lei da Anistia foi "ampla, geral e irrestrita" e, portanto, perdoou crimes comuns como sequestro, tortura, estupro e homicídio, praticados por militares e policiais que atuaram na repressão do Estado autoritário.

"O Brasil é o único país que apela para a interpretação absoluta de uma lei de anistia"
afirmou Ciurlizza, que conhece o caso de mais de 30 países que instalaram Comissões da Verdade.

- A anistia resolveu um problema político, mas não pode significar impunidade – disse.

Para Bittar, a anistia produziu a reconciliação nacional, mas a revisão da Lei de Anistia se impõe, especialmente se considerados os compromissos assumidos internacionalmente pelo país.

- A anistia que se concede a perseguidos políticos tem pouco a ver com a tarefa daqueles que abusaram do poder de polícia conferido ao Estado e extrapolaram as ações de realização da legalidade – afirmou.

Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil

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