Possível condenação da OEA pode levar a mudança na Lei de Anistia

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, disse que o Brasil pode ter de mudar a Lei da Anistia em função da provável condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Durante evento contra o trabalho escravo realizado em Fortaleza, o ministro admitiu que a tendência é de condenação.

- A OEA não aceita leis de anistias nacionais que definam que quem torturou ou matou está protegido - afirmou. A decisão, caso se confirme, abrirá a porta, na avaliação do ministro, para a cobrança por mudança na Lei da Anistia.

"Nos casos do Peru e do Chile, ela (OEA) também se manifestou condenando as leis de anistia. O Chile fez outra lei de anistia por causa disso. Existe a possibilidade de ocorrer isso com o Brasil", disse.

Durante a segunda edição do projeto Mundo do Trabalho, o ministro disse que a Corte não permitiria um desacordo entre as legislações nacional e internacional de direitos humanos.

Vannuchi afirmou ainda que, caso o Brasil seja condenado, a Corte deverá determinar que o Estado brasileiro localize os corpos, restitua às famílias, as indenize de forma financeira e até mesmo simbólica, por meio de monumentos, as vítimas da ditadura militar.

Segundo Vannuchi, por questão de praxe, o resultado do julgamento só será divulgado dentro de seis meses.

Segundo ele, a transição da ditadura para a democracia no Brasil foi um processo controlado durante muitos anos pelos próprios membros do regime militar, o que vai contra as regras da OEA e das Nações Unidas.

- Essas organizações têm uma regra mundial para situações semelhantes, que é recusar todas as anistias que possam ser consideradas autoanistia.

O ministro disse ainda que anistia verdadeira é quando se faz um acordo de paz, em condições de igualdade, o que, para ele, não aconteceu na anistia de 1979.

Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou pedido de revisão da Lei da Anistia. A Corte considerou que caberia ao Congresso a eventual mudança na lei.

Ainda em Fortaleza, Vannuchi lançou o livro Luta, Substantivo Feminino, com relato de 40 mulheres perseguidas, inclusive a cearense Jana Morone Barroso.
O livro é parte do projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

A confissão que falta


Por Clóvis Rossi, de Londres

Introduzo, na polêmica sobre a Lei de Anistia e a Comissão da Verdade, contribuição de um colunista não convidado, chamado Dmitri Medvedev, que vem a ser presidente da Rússia.

Em discurso comemorativo dos 65 anos da vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial, obtida quando Josef Stálin ocupava o cargo hoje de Medvedev, o atual presidente disse:

“Stálin cometeu crimes maciços contra seu próprio povo e, apesar de que trabalhou muito, apesar de que, sob sua direção, o país logrou êxitos, o que fez com seu povo é imperdoável."

Mais: "O regime que se formou na União Soviética só pode qualificar-se como totalitário, e nele se sufocavam os direitos e as liberdades elementares".

Medvedev advogou pela abertura dos arquivos históricos, incluídos os da guerra, e até defendeu a criação de arquivos eletrônicos.

Justificou: "Nós permitimos a falsificação da história, e a verdade deve, ao fim e ao cabo, ser apresentada à nossa gente e aos cidadãos estrangeiros que estejam interessados".

Completou: "Quanto mais material seja de livre acesso, tanto melhor".

Não estou comparando o regime militar brasileiro com o stalinismo, até porque são raras as situações comparáveis em países tão diversos como Rússia e Brasil.

Feita a ressalva, é importante observar que, em matéria de direitos humanos, ocultação da verdade e liberdades públicas, as coisas não podem se medir por quilo, na base de ali foi mais, aqui foi menos.

Se houve violações e ocultações - e houve, tanto no Brasil como na URSS -, cabe prestar contas, expor a verdade, fazer mea-culpa como Medvedev está fazendo, ainda que ele seja jovem demais para poder ser responsabilizado pelos crimes do stalinismo.

Ainda assim, ousou usar o "nós" para falar do passado.
9 de maio 2010

Pesquisa, copy e edição - Flavio Deckes

Comissão de Verdade terá 2 anos de duração


Comissão Nacional da Verdade funcionará por dois anos, sem possibilidade de prorrogação, e obrigará militares e servidores civis a colaborar com a apuração.

A comissão terá como objetivo investigar tanto os agentes de Estado como os militantes de esquerda atuantes durante a ditadura militar, assim como responsáveis por violações praticadas entre 1946 e 1988.

"É dever dos servidores públicos civis e militares colaborar com a Comissão Nacional da Verdade", diz um dos artigos do projeto de lei que define a sua criação.

O texto foi entregue ao presidente Lula na última quarta e deverá ser enviado ao Congresso nesta semana.

Na prática, esse artigo define que servidores públicos civis e militares poderão ser convocados a depor e serão obrigados a disponibilizar aquilo que for requisitado pela comissão.

O projeto passará pela avaliação de deputados e senadores e, a seguir, pela análise de sanção ou vetos do Planalto.
Se criada nos moldes do projeto de lei, a comissão será composta por sete integrantes escolhidos pelo presidente da República.

Não há previsão de cotas por ministérios ou por visão ideológica. O texto diz apenas que devem ser "brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados pela defesa da democracia, institucionalidade constitucional e respeito aos direitos humanos".

Os sete escolhidos terão um salário de R$ 11.179. Também serão designadas outras 14 pessoas para cargos auxiliares, com remunerações que variam de R$ 4.000 a R$ 9.000. O custo mensal da comissão, só em salários, ficará em R$ 167,8 mil. Todos terão direito a passagens aéreas e diárias pagas pelo governo.

O objetivo da comissão é "examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988". O foco é investigar os crimes cometidos na ditadura militar (1964-1985).

O texto não cita a expressão "repressão política", repetida 12 vezes no programa de direitos humanos lançado em 2009 e que gerou crise no governo.

A expressão "repressão política" remetia à apuração dos excessos cometidos apenas pelos agentes de Estado, como os torturadores, o que desagradou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes militares.


Com tal omissão, o alvo da comissão fica genérico, abrindo a brecha para que tanto o Estado como a esquerda armada sejam investigados.

Folha on line, 11 de maio 2010

Honduras instala Comissão de Verdade

O presidente de Honduras, Porfírio Lobo, instalou a Comissão da Verdade e Reconciliação que investigará o que ocorreu antes, durante e após o golpe de Estado de 28 de junho de 2009.

A Comissão será responsável por investigar os fatos relacionados ao golpe de Estado que depôs o presidente Manuel Zelaya quando ele pretendia convocar um referendo destinado a reformar a Constituição.

No ato, os membros do grupo prestaram juramento na Casa Presidencial, prometendo "dedicar todas as capacidades, experiência e esforço" para cumprir o compromisso de buscar os "fatos certos de antes e depois de 28 de junho de 2009 a fim de garantir o caminho da reconciliação de todos os hondurenhos e o fortalecimento da democracia".

A comissão é coordenada pelo ex-vice-presidente da Guatemala Eduardo Stein e integrada pelo diplomata canadense Michael Kergin - que não compareceu à cerimônia - e pela ex-magistrada peruana María Amadilia Zavala Valladares.

A parte local da Comissão é formada pela reitora da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Juliea Castellanos, pelo ex-reitor Jorge Omar Casco e pelo intelectual Sergio Membreño.

Assistiram como testemunhas de honra o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, o assistente de Assuntos Políticos da OEA, Víctor Rico, o subsecretário de Estado dos Estados Unidos, Craigh Kelly, e a subsecretária para Assuntos da América Latina e Caribe, Julissa Reynoso.

"Não é função da Comissão estabelecer consequências judiciais. Nosso trabalho é esclarecer os fatos e entregar ao povo hondurenho elementos para que isto não se repita", afirmou Stein em um discurso durante a cerimônia.

Lobo, por sua vez, disse que com a Comissão - que entregará seu informe em um prazo de seis a oito meses - "pretende-se lançar luz sobre o passado para poder construir o futuro" de Honduras e conseguir a reinserção do país na comunidade internacional.

Fonte - AFP

"O STF de costas para a Humanidade"

Por Paulo Sérgio Pinheiro *

A consagração, pelo STF, da impunidade dos agentes do Estado bandido faz ainda mais urgente a criação de uma comissão da verdade

“ACHO QUE a tortura, em certos casos,
torna-se necessária para obter confissões”
(frase do general Ernesto Geisel,
em depoimento a Maria Celina D’Araújo
e Celso Castro).

Assistir à sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a revisão da Lei da Anistia foi entrar em viagem no tempo que levasse ao ano de 1979 e ali ficássemos imobilizados.

Os ministros estavam angustiados, quase às lágrimas, diante dos supostos riscos de reverem lei elaborada por regime de exceção e submetida por ditador militar goela adentro do Congresso Nacional.

Nos votos, preponderou exacerbado anacronismo, o tempo presente, ausente. Ali, não foi levada em conta a evolução da norma internacional, da prática acumulada das democracias e dos Judiciários no mundo em face de crimes cometidos por regimes de exceção e a exigibilidade de sua punição.

Prevaleceu a contrafação histórica da lei nº 6.683/79, como resultado de um grande “acordo político”, apesar de a conjuntura de 1979 ali descrita não bater com o que aconteceu.

A Lei da Anistia não foi produto de acordo, pacto, negociação alguma, pois o projeto não correspondia àquele pelo qual a sociedade civil, o movimento da anistia, a OAB e a heroica oposição parlamentar haviam lutado.

Pouco antes de sua votação, em setembro de 1979 houve o Dia Nacional de Repúdio ao Projeto de Anistia do governo e, no dia 21 , um grande ato público na praça da Sé promovido pela OAB-SP, igualmente contra o projeto do governo.

A lei celebrada nos debates do STF como saldo de “negociação” foi aprovada com 206
votos da Arena, o partido da ditadura, contra 201 do MDB.

A oposição, em peso, votou contra ato de Legislativo emasculado pelas cassações, infestado por senadores biônicos.

Parece que o movimento da anistia e a oposição na época não tinham sido comunicados de seu papel no “acordo nacional” que os ministros 30 anos depois lhes atribuiriam.

Foram abundantes nos votos as metáforas de trânsito, como a “dupla via”, a “ponte” de perdão mútuo e reconciliação que a Lei da Anistia alegadamente teria significado.

Com o argumento prosaico de que a lei nº 6.683 não foi uma autoanistia porque “bilateral”, pois as vítimas dos criminosos do Estado foram também beneficiadas.

Como o ditador e o regime de exceção foram tão bonzinhos, contemplando, além dos torturadores, o “outro lado” – as vítimas, a Lei de Anistia não se incluiria nos casos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condena como autoanistia.

Foi inebriante o coro, com acentos gongóricos, de condenações à tortura.

Pena que o clamor de justiça pela sociedade e pelos familiares dos desaparecidos, sequestrados, estuprados, torturados e assassinados pelos agentes da ditadura não tenha sido levado a sério.

Por zelo formalista, a maioria dos ministros jogou pá de cal no exame, pelo Judiciário, desses crimes.

A execração da tortura soou farisaica, pois consagrou a impunidade dos torturadores e negou direitos e justiça às vítimas. Houve, igualmente, uma exaltação do direito à verdade, à completa reconstituição da história da repressão.

Vai ver, os ministros acreditam que os torturadores, agora impunes, irão revelar tudo sobre seus crimes.

Revelem ou não, a consagração, pelo STF, da impunidade dos agentes do Estado bandido faz ainda mais candente e urgente o estabelecimento de uma comissão da verdade, para que a sociedade, tendo-lhe sido negado o acesso à justiça, possa ao menos conhecer a verdade.

A recusa da revisão da Lei de Anistia, ressalvados dois votos contrários, consagrou de vez o Brasil na rabeira dos países do continente quanto à responsabilização dos agentes do Estado responsáveis por graves violações de direitos humanos.

Diante desse constrangimento, resta provarmos, governo federal, Legislativo e sociedade, que temos competência para fazer prevalecer a verdade, mesmo sem a justiça que o Supremo Tribunal Federal negou.

* Paulo Sérgio Pinheiro é professor adjunto de relações internacionais da Brown University (EUA). Foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso.

Fonte - Substantivo Plural, com a FSP

"STF trata o regime militar como se fosse legítimo"

UNB debate
direitos humanos

A decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar o pedido de revisão da Lei de Anistia de 79 foi criticada por todos os palestrantes que participaram nesta terça-feira, 4 de maio, do Seminário Nacional sobre a Tortura, na Universidade de Brasília.

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República acredita que a decisão do STF pode influenciar o Congresso Nacional a aprovar o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade para esclarecer as violações aos direitos humanos ocorridos durante o período da ditadura militar, de 1964 a 1985.

"A repercussão internacional do julgamento do Supremo foi tão negativa que um projeto como esse, que dificilmente passaria no Legislativo, pode agora ser aprovado pelos parlamentares", afirmou.

A proposta será encaminhada ao Legislativo na próxima semana, segundo o ministro.

O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, enfatizou que a Comissão da Verdade foi instalada em quatro países e criticou a dificuldade do Brasil em debater os crimes ocorridos no período militar. "Uma comissão da verdade requer mais que a verdade, requer justiça, mas ainda temos grande resistência em avançar nesse sentido".

O professor da Faculdade de Direito Eugênio Aragão lembrou que a decisão do STF não impede a apuração dos casos de tortura. "Os crimes cometidos durante o regime militar são crimes contra a humanidade e podem ser objeto de julgamento nos tribunais internacionais a qualquer tempo", disse.

Para o professor Fábio Comparato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a decisão do Supremo fere os princípios do direito internacional. "A tortura é um crime contra a humanidade e não cabe a legislação brasileira anistiar ou prescrever o crime", defendeu.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça Paulo Abrão foi ainda mais duro. "O STF tratou o regime militar como se tudo naquela época fosse legítimo", afirmou.

A Lei de Anistia perdoa os crimes cometidos durante o período da ditadura militar tanto por agentes do Estado como opositores ao regime.

De autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a ação no Supremo defendia que Lei não beneficiasse os autores dos crimes de tortura. O pedido foi derrubado por 7 votos a 2. Votaram a favor da revisão os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto.

DENÚNCIAS – Para a coordenadora-geral de Combate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria Auxiliadora Arantes, o dano mais grave que a decisão do STF pode provocar é a sensação de impunidade. "Ao manter a anistia aos torturados, a Suprema Corte incentiva a prática desse crime", afirmou.

Ela lembrou que os crimes continuam sendo praticados nas delegacias e prisões e relatou os métodos de tortura descritos nas 70 denúncias recebidas em 2009 pela Secretaria e nas visitas realizadas no mesmo período por representantes do órgão em alguns dos presídios brasileiros.

Segundo Maria Auxiliadora, a quase totalidade das denúncias registradas partiram dos próprios torturados. Ela descreveu métodos usados por torturadores:

Tentativas de afogamento, agressões físicas utilizando socos, pontapés, bastões, cassetetes, barras de ferro, cintos, palmatórias, pedaços de madeira e até tijolos foram alguns dos métodos descritos.

Enforcamentos simulados como suicídios, ameaças de empalamento com bastões e cabos de vassoura, eletrochoque com o uso de pistola de uso privativo das forças policiais, nudez forçada e abuso sexual, tentativa de estupro, uso abusivo das algemas causando sofrimento e dor e queimadura com saco plástico quente foram outras das práticas de tortura relacionadas.

"Estas agressões, ao lado da situação de superlotação descomunal em prisões visitadas por essa coordenação em diferentes estados do Brasil, aliadas às condições ínfimas de higiene, são a prova de que os maus tratos e a tortura continuam a existir", completou.

Maria Auxiliadora afirma que os motivos para torturar também continuam a ser os mesmos utilizados no período militar. "Arrancar confissões, dar e comprovar informações, humilhar ou simplesmente castigar por preconceito ou outro motivo qualquer", explicou.

"Precisamos melhorar o controle das atividades da Polícia", comentou o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da UnB. Ele defendeu o estabelecimento de normas de conduta para os policiais.


Durante o Seminário Nacional

sobre Tortura foi lançada

a campanha

Tortura é Crime,

da Secretaria de Direitos Humanos

da Presidência da República e da

Comissão de Anistia

do Ministério da Justiça.

O encontro é uma parceria do Núcleo de estudos para a Paz e Direitos Humanos da UnB com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Fonte – blog Direto de Brasilia - defensoresdh.blogspot