Estrangeiros Explicam Reconciliação Nacional

O grupo de trabalho que elaborará o anteprojeto de lei para instituir a Comissão Nacional da Verdade realizou dia 26 passado em Brasília uma oficina a portas fechadas para ouvir especialistas estrangeiros em processos de reconciliação nacional e no funcionamento dessas comissões.

A justiça de transição é um conceito criado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Reúne quatro tarefas fundamentais para os Estados lidarem com o legado deixado por regimes de exceção e consolidarem a democracia. São elas: reforma das instituições; o direito à memória e à verdade; o direito à reparação e o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado.

Estiveram em Brasília o peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional de Justiça de Transição, Catalina Smulovitz, da Comissão da Verdade da Argentina, e o norte-americano Peter Kaornbluh, do National Archives and Records Administration.

O grupo ouviu no mesmo dia em São Paulo o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Santiago Canton, e o representante do Comissariado das Nações Unidas, Juan Mendes.

De acordo com o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, há cerca de 20 países - nove na América Latina - onde funcionaram comissões da Verdade.

A fase de consulta aos especialistas estrangeiros antecede a redação do anteprojeto de lei. Segundo o ministro, ainda em março o grupo de trabalho começa a redigir a proposta que deverá ser concluída até 30 de abril, conforme previsto em decreto presidencial.

Para especialistas, o projeto de lei da Comissão da Verdade poderá ter dificuldade de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado em um ano de eleições gerais.

É possível, portanto, que a comissão só venha a ser votada na próxima legislatura do Congresso Nacional e a ser instalada pelo próximo presidente da República, a ser eleito em outubro.

De acordo com o presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós- Graduação (Andhep), Eduardo Bittar, a demora na tramitação pode ser positiva.

- Esse cozimento pode ser virtuoso e significar um processo lento de amadurecimento, que evita a precipitação - avaliou o pesquisador, que também é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Tarefa de Memória

Segundo Bittar, a futura Comissão da Verdade terá a tarefa da memória, isto é, resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno, evidenciar a importância da vigilância cidadã e democrática das instituições e de seu uso público, permitir a indenização material de familiares e vítimas e avançar em direção à punição - ainda que simbólica - dos envolvidos.

Evitar o retorno a contextos não democráticos é outro objetivo, lna opinião do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

- Não se pode avançar na vida democrática desconfiando que isso pode acontecer de novo - disse, acrescentando que a apuração e a eventual punição são mecanismos institucionais para estabelecer confiança entre os cidadãos.

Para Adorno, a Comissão da Verdade não deve ter como meta a vingança. O mesmo tom ponderado tem sido utilizado pelo ministro Paulo Vannuchi.

- Não é revanchismo, não é para abrir feridas - disse à saída de um encontro na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Além de Vannuchi, o grupo que elabora o anteprojeto de lei sobre a Comissão da Verdade é formado pelo ex-secretário de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, pelo presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antônio Barbosa, pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, pelo consultor jurídico do Ministério da Justiça, Vilson Vedana, e pela secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, que coordena o trabalho.

Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Agência Brasil

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